TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015
244 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL E, relativamente à qualificação de determinado ato como materialmente legislativo, refere ainda Mário Aroso de Almeida (cit., p. 283) «que a materialidade do ato legislativo não se confunde com o caráter geral e abstrato das determinações nele contidas. Embora, por regra, a intencionalidade própria da função legislativa se tenda a exprimir na emissão de regras de conduta, de caráter geral de abstrato, a verdade é que é frequente o fenómeno da aprovação de atos legislativos que, embora exprimam uma opção política primária, inovadora, introduzem uma ou mais determinações de conteúdo concreto, correspondendo, assim, ao que, na doutrina, tem sido qualificado como leis-medida ( Massnahmengesetz )». Assim, é com base na aludida distinção entre funções do Estado que a alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º do ETAF, procede a uma delimitação negativa do âmbito da jurisdição administrativa, excluindo as questões relativas a atos de outras funções estaduais, concretamente, no que ora releva, a impugnação dos atos prati- cados no exercício da função legislativa. A decisão recorrida entendeu que o ato jurídico impugnado pela ora recorrente é um ato materialmente legislativo e, atenta essa natureza legislativa, considerou que a sua sindicância está excluída da jurisdição administrativa, pelo que se dispensou de averiguar se o ato em causa tinha a natureza de lei medida ou de uma lei individual restritiva dos direitos, liberdades e garantias. A questão que se coloca no caso concreto é, pois, a de saber se, mesmo nos casos em que se esteja perante atos legislativos configuráveis como leis-medida ou como leis individuais e concretas restritivas de direitos, liberdades e garantias, a solução da inadmissibilidade da sua impugnação nos tribunais administrativos é conforme com a Constituição. Dir-se-á, preliminarmente, que a solução da impugnação dos referidos atos legislativos junto dos tribu- nais administrativos não é a única possível, nem é imposta pela natureza de tal tipo de atos. Com efeito, conforme sugere a própria decisão recorrida, perante o ato legislativo em causa nos autos, «a recorrente tem assegurado o direito de ação para, no tempo oportuno, no momento em que se concretizar a eventual lesão decorrente da lei, aquando da transição para o regime remuneratório de mercado, exigir judicialmente o preço a que se julga com direito e promover, por essa via mediata, o controle incidental e concreto da constitucionalidade do ato jurídico legislativo que ora impugna (vide artigos 204.º e 280.º da Constituição e 69.º e seguintes da LTC)». Assim, admitindo a própria decisão recorrida esta possibilidade alternativa de a recorrente fazer valer as suas pretensões perante a jurisdição administrativa, bem como de promover, por essa via mediata, o controle incidental e concreto da constitucionalidade do ato jurídico legislativo que visa impugnar, só se poderia con- siderar que estariam diminuídas as garantias de defesa dos seus direitos no caso de o Tribunal Constitucional entender que as leis-medida e as leis individuais e concretas restritivas de direitos, liberdades e garantias não constituem objeto idóneo para efeitos de controlo de constitucionalidade. Contudo, não tem sido esse o entendimento do Tribunal Constitucional, conforme decorre da sua jurisprudência, na qual tem vindo a delinear o conceito de norma para efeitos da fiscalização da constitucio- nalidade Com efeito, o Tribunal Constitucional tem adotado um conceito simultaneamente funcional e formal de norma. Significa isto que, por um lado, tem optado por acolher um conceito de norma funcionalmente adequado aos fins visados pelo sistema de fiscalização da constitucionalidade e, por outro lado, tem também acolhido um conceito formal de norma, admitindo que possa ser fiscalizada a constitucionalidade de precei- tos que, embora não revistam natureza geral e abstrata, estejam inseridos em diplomas legislativos. É este entendimento que se encontra plasmado no Acórdão n.º 26/85, onde se refere que o que há de procurar-se para este efeito «é um conceito funcional de “norma”, ou seja, um conceito funcionalmente adequado ao sistema de fiscalização da constitucionalidade», clarificando-se ainda, no que respeita aos atos abrangidos pelo sistema de fiscalização da constitucionalidade previsto na Constituição que quando o ato do poder público «contiver uma regra de conduta para os particulares ou para a Administração, ou um critério
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