TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015

238 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL XII. Caso se conclua no sentido da normatividade dos comandos impugnados, formalmente legislativos, é irrele- vante aferir da sua filiação material na função legislativa ou administrativa, porque não existe entre nós uma reserva geral de regulamento administrativo; XIII. A norma do artigo 4.º, n.º 2, alínea a) , do ETAF também não lesa o princípio do caráter geral e abstrato das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias, primeiro, porque não impede a ora recorrente de reagir contra os supostos danos em que incorra em consequência da aplicação de tal lei, ou sequer de obter a sua desaplicação pelos tribunais; segundo, porque tal princípio não afasta o poder do legislador de impor pres- supostos processuais e o ónus que pesa sobre o interessado de assegurar o seu preenchimento (caso contrário todo e qualquer pressuposto processual seria inconstitucional!); terceiro, porque tal sugestão assenta numa distinção que o legislador, quer constituinte, quer comum, não estabelece, envolvendo uma interpretação vio- ladora das mais elementares regras de hermenêutica jurídica; quarto, o disposto no artigo 18.º, n.º 3, da CRP visa assegurar, em particular, a aplicação do princípio da igualdade, sendo que a recorrente vem invocá-lo para defender o oposto – a manutenção de uma posição de privilégio, ou seja, de desigualdade face a outros operadores; quinto, porque a decisão recorrida em momento algum afirma que o artigo 4.º, n.º 2, alínea a) do ETAF abrange ou deixa de abranger na sua exclusão atos individuais sob a forma legislativa restritivos de direitos, liberdades e garantias; sexto, porque o argumento da recorrente não faz qualquer sentido caso se conclua no sentido de que as normas legais impugnadas constituem atos genéricos, ou seja, verdadeiros atos normativos, como parece ser o caso; sétimo, porque também prejudica o argumentário desenvolvido pela recorrente a possibilidade de as normas legais impugnadas constituírem normas de lei-medida, meramente conformadoras do exercício ou delimitadoras de direitos, visando compatibilizá-los com outros valores de dignidade constitucional; XIV. A garantia da tutela jurisdicional efetiva dos direitos ou interesses legalmente protegidos da recorrente tão pouco é lesada pelo artigo 4.º, n.º 2, alínea a) do ETAF, dado que é a própria CRP que limita a competência dos tribunais administrativos através do recurso ao conceito de relação jurídico-administrativa (artigo 212.º, n.º 3, e 268.º, n.º 4, da CRP); XV. O princípio da plenitude da garantia jurisdicional para tutela das posições subjetivas dos particulares não é um direito absoluto, suscetível de ser exercido em qualquer caso e à margem do processo legalmente estabe- lecido; não implica um acesso irrestrito aos tribunais, nem proíbe que o legislador imponha determinados pressupostos processuais razoáveis que limitem esse acesso, mesmo em casos em que, abstratamente conside- rada, a pretensão do autor pudesse ser considerada procedente; XVI. A CRP, no que respeita à jurisdição administrativa, não exige do legislador o estabelecimento de regras que permitam a impugnação, a título principal, de atos de natureza não-administrativa, designadamente legislati- va. Essa situação, estranha ao nosso Direito, não se confunde com a possibilidade de a decisão de uma causa acarretar, a título incidental, a desaplicação no caso concreto de uma lei; XVII.Nem o Governo beneficia de qualquer situação de impunidade, nem a recorrente se encontra legalmente indefesa perante as normas do Decreto-Lei n.º 35/2013, de 28 de fevereiro, tendo, pelo contrário, ao seu dispor uma significativa variedade de vias, contenciosas e não-contenciosas, de reação contra a aplicação dos comandos impugnados e para se ressarcir dos supostos danos daí resultantes; XVIII. Se é certo que a lei nega aos tribunais administrativos o poder de conhecer de um pedido de apreciação, a título principal da constitucionalidade de uma lei, o artigo 4.º, n.º 2, alínea a) do ETAF não impede a ora recorrente de reagir judicialmente contra a aplicação dessa lei e de requerer a fiscalização da sua constituciona- lidade e porventura a sua desaplicação a título incidental – é fundamental não confundir estas duas situações qualitativamente distintas; XIX. O presente recurso deve, pois, ser indeferido, por não provado, mantendo-se o douto acórdão recorrido, que andou bem por todos as razões referidas.

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