TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015
237 acórdão n.º 113/15 III. Acresce que a norma que a recorrente pretende ver fulminada não decorre da interpretação do disposto no artigo 4.º, n.º 2, alínea a) , do ETAF, que se limita a determinar a exclusão dos atos praticados no exercício da função política e legislativa da competência em razão da matéria dos tribunais administrativos. A norma contra a qual se insurge a recorrente consiste naquela que impõe ao tribunal que se declare incompetente independentemente e previamente a qualquer análise do mérito da causa, em termos tais que prejudicam esta última apreciação. Tal conteúdo dispositivo não decorre de qualquer interpretação do 4.º, n.º 2, alínea a) , do ETAF, constituindo antes uma decorrência do artigo 89.º, n.º 1 do CPTA, e do artigo 278.º, n.º 1, alínea a) do CPC, aplicável ex vi o artigo 1.º do CPTA – sendo certo que a inconstitucionalidade de tais normas não foi invocada ao longo do processo, nem tão pouco indicada como objeto do presente recurso. Assim, também por esta razão deve ser rejeitado o recurso; IV. Além disso, ainda que, por hipótese, o acórdão recorrido, além de ter concluído que o ato impugnado era um ato materialmente legislativo, tivesse chegado à conclusão de que era um ato legislativo restritivo de direitos liberdades e garantias (conclusão que não chegou a ser feita), sempre tal facto seria inútil para a decisão recor- rida. Ainda que fosse abstratamente aceitável extrair do preceito legal em crise um semelhante entendimento, o recurso só teria alguma utilidade se fosse perspetivável que a eventual formulação de um juízo de incons- titucionalidade determinaria a modificação do julgado – caso que não se verifica. O recurso, ainda que fosse procedente, sempre seria inútil, no bastante provável caso de o tribunal recorrido vir a entender que a lei em crise não se integra na categoria de atos legislativos cujo conhecimento cabe à jurisdição administrativa; V. Acresce que a distinção entre “lei-medida” e “lei individual e concreta restritiva de direitos, liberdades e garantias” não tem qualquer fundamento jurídico ou relevância processual. A única questão que, para efeitos da determinação da competência material dos tribunais administrativos, importa solucionar é se uma deter- minada norma, formalmente legislativa, se integra materialmente na função legislativa do Estado, ou se, pelo contrário, constitui materialmente um exercício da função administrativa, encerrando um ato administrativo sob forma de lei; VI. Não procede qualquer suposta distinção entre “lei-medida” e “lei individual e concreta restritiva de direitos, liberdades e garantias” para efeitos contenciosos, e muito menos nos termos em que a recorrente a pretende traçar, porque i) não há correspondência juridicamente necessária entre a figura da lei-medida e uma prática de intervenção económica estritamente prestadora, i.e. não agressiva; ii) o disposto no artigo 18.º, n.º 3, da CRP visa assegurar, em particular, a aplicação do princípio da igualdade, sendo que a recorrente vem invocá- -lo para defender o oposto – uma posição de privilégio, ou seja, de desigualdade face a outros operadores; iii) a lesividade do ato não serve sequer de um ponto de vista lógico como critério de acesso aos tribunais administrativos, dado que só se um ato for considerado lesivo por alguém é que a questão chegará aos tribu- nais de todo; VII. Constitui uma inversão lógica pretender fazer depender a aferição de um pressuposto processual (a compe- tência do tribunal) de uma avaliação de mérito; VIII.Não se verifica qualquer ofensa ao princípio do Estado de Direito, pois a norma em crise não exclui outras hipóteses de controlo judicial da norma legislativa supostamente violadora de direitos fundamentais – em particular, não impede a recorrente de reagir judicialmente contra a suposta lesão resultante da aplicação de uma norma materialmente legislativa, quando tal lesão ocorrer, e obter uma decisão de desaplicação da referida norma, tal como não impede, de resto, diversas outras vias, contenciosas e não-contenciosas, que o Direito, em abstrato, coloca à sua disposição, para a reação contra a aplicação de tal norma legislativa; IX. Acresce que os comandos impugnados configuram atos genéricos, ou seja, verdadeiros atos normativos. Os destinatários e a situação, nos comandos impugnados, são definidos por conceitos universais; X. Existe generalidade, dado que os comandos não permitem, só por si, a identificação individualizada dos res- petivos destinatários; XI. E existe abstração, dado que os comandos se não esgotam numa única aplicação;
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