TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015
23 acórdão n.º 96/15 A questão foi tida já em atenção nos Acórdãos n. os 340/05 e 379/12, em que se procurou averiguar do caráter inovatório da norma, cuja não verificação, aferida por uma correspondência substancial do conteúdo regulador da disposição originária com o das normas resultantes das alterações posteriores, afastaria a incons- titucionalidade orgânica. No primeiro daqueles arestos, o Tribunal não julgou a norma organicamente inconstitucional, por não ter considerado inovatório o seu conteúdo, não atribuindo relevância, para esse efeito, nem à alteração da numeração do artigo, nem às alterações de redação – consideradas meras alterações de estilo – nem mesmo à substituição da remissão para o crime de “falsidade” pela remissão para o crime de “falsas declarações perante oficial público”, em razão de tal substituição se ter considerado “meramente consequencial das modificações sistemáticas introduzidas no Código Penal, visando simplesmente adequar aquele preceito do Código do Notariado à nova designação e arrumação sistemática do Código Penal de 1982”. No Acórdão n.º 379/12, parcialmente transcrito supra, pese embora não se tenha pronunciado con- clusivamente sobre a questão da inconstitucionalidade orgânica, em virtude de ter considerado como fun- damento decisivo do julgamento de inconstitucionalidade a violação do princípio da legalidade penal, na vertente da determinabilidade da pena aplicável à conduta, o Tribunal não deixou de se debruçar sobre o caráter inovatório da norma. Afastando-se da conclusão vertida no Acórdão n.º 340/05, ainda que subscrevendo o juízo de que as diferenças de redação entre o artigo originário e o artigo atual não são relevantes no que concerne à fixação dos pressupostos da incriminação, o Tribunal salientou o relevo que decorre da divergência entre as normas em confronto no que diz respeito à determinação da pena aplicável. Apesar de, neste ponto, se revelar difícil a com- paração entre a norma originária e a atual, por tanto uma como outra versão suscitarem dificuldades quanto à norma penal para a qual se reenviava, o Tribunal afirmou que “é difícil sustentar (…) que a norma continuou a visar a penalização do crime de falsificação intelectual de documento” e que “tem boas razões para si a conclusão de que reveste caráter inovatório a alteração introduzida no Código do Notariado em 1990 e mantida na versão atual, o que, nesse pressuposto, acarreta, dada a inexistência de autorização legislativa, lesão ao princípio da legalidade penal, na sua dimensão formal. Na verdade, a norma constante do artigo 97.º do Código do Nota- riado (como já, antes dela a do artigo 106.º) só fica completa quando lida em conexão e integrada pela norma sancionatória para que remete e onde consta a moldura penal aplicável ao crime nela tipificado. Incriminação e punição estão em ‘normativa conexão’ e formam uma ‘unidade intencional’, «já que se o delito implica uma certa e correspondente sanção, a sanção pressupõe um certo e correspondente delito» (Castanheira Neves, O princípio da legalidade criminal. O seu problema jurídico e o seu critério dogmático , Coimbra, 1988, p. 6, n.º 11). Daí que a alteração da norma para que é feita a remissão, com a consequente alteração da punição, importe ine- vitavelmente uma mudança substancial do alcance da norma do artigo 97.º, por confronto com o que dispunha o anterior artigo 107.º, devendo ser-lhe atribuído caráter inovatório”. Cumpre reafirmar aqui essa conclusão: entre, por um lado, o regime que resulta da conjugação do artigo 107.º do Código do Notariado, na redação do Decreto-Lei n.º 47619, de 31 de março de 1967, com o ordena- mento jurídico-penal então vigente, decorrente do Código Penal de 1886 ou de legislação extravagante e, por outro, aquele que resulta da redação conferida em 1990 ao artigo 106.º do Código do Notariado, transposta em 1995 para o artigo 97.º do mesmo Código, aqui em exame, não é viável encontrar uma identidade substancial, capaz de atribuir, a ambos os regimes, o mesmo significado jurídico-penal, designadamente no plano sancio- natório. Persiste, como se apontou no Acórdão n.º 379/12, a mutação ínsita no diferente referente punitivo. A consequência a retirar da qualificação do conteúdo da norma em apreço como inovador, é a de que, tendo o Código do Notariado sido aprovado por decreto-lei, emitido no uso de competência própria do Governo, e não ao abrigo da lei de autorização, foi violada a reserva relativa de competência legislativa para a “definição dos crimes, penas, medidas de segurança e respetivos pressupostos”, prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição. De facto, conforme a jurisprudência do Tribunal Constitucional, dado que a competência para legislar sobre crimes e penas pertence exclusivamente ao Parlamento (salvo autorização do Governo), daí decorre a inevitável inconstitucionalidade orgânica da norma em apreço.
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