TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015

220 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL encontra em discussão uma escolha originária, pois os serviços municipalizados existiam já no momento da prolação da decisão recorrida, mas a continuidade ou manutenção da exploração económica segundo esse modelo organizativo. Seguramente, a garantia institucional da autonomia local, em termos positivos, comporta uma margem de liberdade de iniciativa económica e de autodeterminação organizativa na prossecução do interesse público local. A Carta Europeia da Autonomia Local, no seu artigo 6.º, n.º 1, dá expressão a essa dimensão: “Sem prejuízo de disposições gerais estabelecidas por lei, as autarquias locais devem poder definir as estruturas administrativas internas de que entendam dotar-se, tendo em vista adaptá-las às suas necessidades específi- cas, afim de permitir uma gestão eficaz” (aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 28/90 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 58/90, de 23 de outubro). Porém, daí não decorre a imunidade dos entes locais a limitações e constrangimentos de índole finan- ceira, nos termos da lei. Como sublinham Guilherme Waldemar d’Oliveira Martins e Ana Rita Chacim, em reflexão sobre o impacto da LCPA na gestão financeira e orçamental local, “a autonomia financeira local convive desde há muito com os condicionalismos subjacentes ao controlo financeiro decorrente da Lei das Finanças Locais, em nome da estabilidade financeira nacional, e bem assim, do levado a cabo pelos competentes órgãos administrativos, como seja a Inspeção-Geral de Finanças, ou por órgãos jurisdicionais, como seja o Tribunal de Contas” (“A ‘Lei dos Compromissos’ no âmbito da boa gestão financeira e orçamen- tal: o caso especial da autonomia financeira local”, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano V, mar/2012, pp. 22-39; p. 38). Ponto é que tais imposições não anulem ou restrinjam arbitrariamente o núcleo essencial da autodeterminação organizativa decorrente do princípio autonómico, consagrado no artigo 6.º, n.º 1, e da garantia institucional constante do artigo 235.º, ambos da Constituição, pondo em causa a pros- secução do interesse público nos termos constitucional e legalmente previstos (artigo 266.º da Constituição). 12 . Para o recorrente, a LCPA – toda ela – restringe “de forma considerável” a capacidade de decisão financeira pública, determinando, como único “remédio”, a adoção da forma societária e a sujeição ao direito privado, através do formato Empresa Local, que considera não ser o mais adequado à atividade económica em causa. Ora, é desse impacto ablativo na esfera de autodeterminação do recorrente e da ocorrência de relação causal com a dimensão normativa questionada que cabe duvidar. Com efeito, não se vê em que medida a mera inclusão do serviço municipalizado de transportes urbanos de Coimbra no perímetro subjetivo de controlo da despesa pública, mormente da assunção de compromissos financeiros – esse é o alcance da normação cuja conformidade constitucional vem impugnada – comporte, em si mesma, a inviabilidade económico-financeira de prossecução da referida atividade económica por essa forma. Na verdade, a “condenação” a que o recorrente alude na motivação, ou a “constrição” invocada perante o tribunal a quo, remete para os limites ou proibições a que a LCPA sujeita “aquelas atividades empresariais que impliquem a cobrança aos utentes dos bens ou serviços prestados a preços economicamente significativo”, o que, refere, “é o caso das tarifas praticadas pelos SMTUC”. Por ser assim, conclui mais adiante que “tal for- mato” deixou de “poder beneficiar da margem mínima de manobra” no que respeita à “gestão de tesouraria”. Todavia, o recorrente abstém-se de enunciar, como lhe cabia, as normas que suportam tal conclusão, ou seja, quais as concretas regras e princípios que, por conterem imposições excessivas e injustificadas, reduzem a margem injustificadamente a “gestão de tesouraria”, e bem assim por que razão a sujeição uma disciplina votada a controlar a assunção de compromissos e a impedir, ou pelo menos reduzir, a geração de pagamentos em atraso, põe inexoravelmente em causa a manutenção do modelo de exploração dos serviços municipali- zados de transportes urbanos, como os de Coimbra. Aliás, como bem refere o tribunal a quo, não basta invocar genericamente os limites e obrigações trazidas pela intervenção legislativa operada pela Lei dos Compromissos e dos Pagamentos em Atraso: para se afirmar sustentadamente que o formato Serviço Municipalizado não é possível no domínio da LCPA, teria de se demonstrar que os vários instrumentos de gestão de tesouraria que o regime também contém, como sejam o

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