TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015
22 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL que a lei atribua efeitos jurídicos, próprios ou alheios”, cabendo, nos termos do n.º 2 do preceito, moldura penal agravada – pena de prisão até dois anos ou pena de multa – “se as declarações se destinarem a ser exa- radas em documento autêntico”. Como pode ler-se na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 75/XII, que conduziu à aprovação do diploma, a intenção do legislador foi, aqui, não apenas a de “clarificar o tipo do crime de falsa declarações, que deixa de se confinar às declarações recebidas como meio de prova em processo judiciário, ou equivalente, passando a constituir ilícito criminal igualmente as falsas declarações que sejam prestadas perante autoridade pública ou funcionário público no exercício das suas funções e se destinem a produzir efeitos jurídicos”, mas, igualmente, a de dar “conteúdo normativo às múltiplas remissões feitas na legislação avulsa para este tipo de crime”. Denota-se, assim, o propósito de superar a notada ausência de um crime geral de falsas declarações perante entidades públicas, suscetível de dar conteúdo material às diversas normas que remetem a punição das condutas nelas referidas para um tipo de falsas declarações (alertando para essa necessidade, cfr. Paulo Dá Mesquita, “Parecer sobre tutela penal de falsas declarações e eventuais lacunas carecidas de intervenção legislativa em matéria de falsas declarações perante autoridade pública”, in Revista do Ministério Público , n.º 134, abril/junho 2013, pp. 79-116, em especial pp. 100-101; note-se que o Autor defendeu, a par da criação de um “tipo genérico de falsas declarações”, uma intervenção legislativa ao nível das normas jurídicas remissivas). Face a estes dados, coloca-se a interrogação sobre se a remissão feita pelo artigo 97.º do Código do Notariado, ora em questão, pode encontrar correspondência nesta nova norma, que assume como epígrafe a mesma expressão ali utilizada. A resposta deve ser positiva. Sem cuidar de saber se a conduta do outorgante em escritura de justificação notarial que preste ou con- firme declarações falsas se subsume ao crime agora constante do artigo 348.º-A – questão aqui irrelevante, por estar em jogo o reenvio para as “penas aplicáveis”, e não para os pressupostos da punição – resulta viável entender que a remissão operada pelo artigo 97.º do Código do Notariado, em exame, deve considerar-se feita para o novo artigo 348.º-A do Código Penal. De facto, por um lado, trata-se do único tipo legal de crime constante do Código Penal que contém na sua epígrafe a expressão “falsas declarações”, a qual passou ainda a constar da designação da secção em que o artigo se insere – “Da resistência, desobediência e falsas declarações à autoridade pública” –, por força de alteração sistemática igualmente operada pela Lei n.º 19/2013, de 21 de fevereiro. Por outro lado, dos seus elementos constitutivos faz parte a conduta que consiste em declarar falsamente à autoridade pública, mesmo que circunscrita às declarações que tenham como objeto a identidade, estado ou outra qualidade a que a lei atribua efeitos jurídicos, próprios ou alheios. Nessa medida, a partir do aditamento ao Código Penal do artigo 348.º-A, não são mais invocáveis os argumentos, em que se baseou o juízo constante do Acórdão n.º 379/12, no sentido de que o tipo legal de crime para que o artigo 97.º remete “não corresponde à epígrafe, nem ao conteúdo, de qualquer incriminação do Código Penal ou de qualquer legislação extravagante que se conheça (…). O estabelecimento de corres- pondência entre a fórmula ‘crime de falsas declarações perante oficial público’ e um determinado tipo legal de crime é, assim, tarefa interpretativa, que, no entanto, se depara com dificuldades e incertezas incompatíveis com o princípio da legalidade, na vertente de nulla poena sine lege certa. (…) Não cumpre, manifestamente, esta exigência contida no princípio da legalidade criminal a remissão para a pena do crime de falsas decla- rações. Do catálogo de crimes tipificados não faz parte nenhum com esta designação. (…) Como se vê, são múltiplas e inultrapassáveis as barreiras que obstam à objetiva determinabilidade, com um mínimo de certeza, da pena que cabe a uma conduta sujeita a incriminação pelo artigo 97.º do Código do Notariado”. 7. Ultrapassado, nas apontadas condições, o vício de inconstitucionalidade material, há que apreciar a inconstitucionalidade orgânica da norma incriminatória do artigo 97.º do Código do Notariado, vício que, no caso presente, persiste independentemente da conexão remissiva que se encontre com as penas aplicáveis ao crime de falsas declarações previsto no artigo 348.º-A do Código Penal.
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