TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015
219 acórdão n.º 109/15 e Vital Moreira). No programa constitucional (cfr. CRP, Princípios Fundamentais, artigo 6.º, e Título VII, Poder Local), as normas que organizam o poder autárquico assumem uma justificação eminentemente democrática. O poder autárquico funda-se numa ideia de consideração e representação aproximada de interesses. Como explica Ruiz Miguel, na justificação democrática da autonomia não é só o fator geográfico que está em causa. Trata- -se também da razão política de fomentar as decisões suscetíveis de maior preferência e de maior controlabilidade pelos interessados. Neste “espaço de participação” (Batista Machado), o elemento ordenador é o conjunto dos interesses especí- ficos das comunidades locais. Esses interesses justificam a autonomia e porque a justificam delimitam-lhe o con- teúdo essencial. Eles entranham as razões de proximidade, responsabilidade e controlabilidade que proporcionam a auto-organização. O espaço incomprimível da autonomia é, pois, o dos assuntos próprios do círculo local, e “assuntos próprios do círculo local são apenas aquelas tarefas que têm a sua raiz na comunidade local ou que têm uma relação específica com a comunidade local e que por esta comunidade podem ser tratados de modo autónomo e com responsabili- dade própria ( ...und von dieser örtlichen Gemeinschaft eigenverantwortlich und selbständig bewältigt werden können )” (Sentença do Tribunal Constitucional alemão n.º 15, de 30 de julho de 1958, in Entscheidungen des Bundesverfas- sungsgerichts, 8.º volume, p. 134; cfr., no mesmo sentido, Parecer n.º 3/82 da Comissão Constitucional in Pareceres da Comissão Constitucional, 18.º volume, p. 151).» Sendo esse o núcleo da garantia constitucional da autonomia local, o Tribunal também tomou já posi- ção sobre o seu grau de resistência à prossecução de outros interesses públicos, que transcendam os específi- cos interesses comunitários locais, que a possam limitar ou condicionar. Assim, no Acórdão n.º 288/04, o Tribunal não julgou inconstitucional a norma que atribuía a conces- sionária de serviço público de telecomunicações o direito de ocupação e utilização de vias de comunicação do domínio público, com isenção total de taxas e quaisquer outros encargos, sempre que tal se mostre necessário à implantação das infraestruturas de telecomunicações ou para a passagem de diferentes partes da instalação ou de equipamentos necessários à exploração do objeto da concessão, dizendo o seguinte: «(…) Importa começar por notar que está em causa a prossecução de uma indiscutível finalidade pública – assegurar a existência de um serviço público de telecomunicações (cfr. o artigo 8.º, n.º 1, da citada Lei n.º 91/97, segundo o qual ao Estado incumbe assegurar a existência e disponibilidade de um serviço universal de telecomunicações) – com clara relevância constitucional, e que tem de ser prosseguida a nível nacional. Ainda que não expressamente autonomizada como incumbência do Estado – ao contrário do que acontece noutras Constituições (assim, na Lei Fundamental alemã, onde a própria estrutura federal do Estado torna necessá- ria uma norma como o artigo 73.º, n.º 7, que atribui à Federação competência exclusiva em matéria de telecomu- nicações) – a manutenção, ou a criação de condições para a existência, de um serviço público de telecomunicações constitui uma forma de prossecução de objetivos com relevância constitucional (…). A existência e a disponibilidade de um serviço público de telecomunicações de âmbito nacional corresponde, pois, a um interesse público que transcende o âmbito das autarquias locais. Trata-se, também aqui, de uma matéria que respeita ao “interesse geral da comunidade constituída em Estado”, e que ultrapassa o “universo dos interesses específicos das comunidades locais, aquele mesmo que se desenvolve num horizonte de proximidade, participação, controlabilidade e autorresponsabilidade e que funda a legitimação democrática do poder local”». 11 . No caso em apreço, não se encontra em discussão a possibilidade da recorrente prosseguir autono- mamente e sob forma empresarial a atividade económica de transportes urbanos de passageiros, inequivo- camente de interesse para a comunidade local e como tal considerado por lei [cfr. artigos 10.º, n.º 1, alínea d), e 45.º, alínea g) , da Lei n.º 50/2012, de 31 de agosto], mas sim a eleição do formato organizativo empre- sarial para o seu desenvolvimento, designadamente o formato de Serviço Municipalizado. Em rigor, não se
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