TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015

217 acórdão n.º 109/15 tratamento de resíduos sólidos urbanos, da exploração dos transportes públicos regulares urbanos e locais de passageiros e da distribuição de energia em baixa tensão. Ora, como é bom de ver, se não está excluída aos municípios a opção pelo formato societário e pela aplicação em primeira linha do direito privado no desenvolvimento destas específicas atividades económico- -empresariais, o formato que mais se lhes ajusta é o do serviço municipais que neles (serviços municipalizados) se mantêm na íntegra, sem necessidade de qualquer expressa e específica delegação de atribuições e competên- cias. Não por acaso, note-se, são precisamente essas as atividades que constituem o objeto normal e típico dos serviços municipalizados, nos termos do artigo 10.º da Lei n.º 50/2012. Mas se assim é, como é que se pode configurar constitucionalmente legítima – e sobretudo em sede de ser- viços públicos locais essenciais – uma tal constrição, sem paralelo ao nível do Estado e das Regiões Autónomas, à «fuga para o direito privado»? Assim, além de infundada, a interpretação seguida pelo Tribunal de Constas acaba por contender com o núcleo duro da autonomia local, objeto de garantia institucional, nas dimensões de auto-organização e de auto- nomia financeira, constituindo uma restrição injustificada da autonomia económico-financeira e organizativa dos municípios (de escolha do formato organizativo publicístico adequado à iniciativa económica municipal em causa) que viola a garantia institucional da livre iniciativa económica municipal consubstanciada nos arti- gos 80.º, al. b) e c) e 86.º, n.º 3, e (conjugadamente) nos artigos 235.º, 237.º e 238.º da CRP”. Nesta matéria deve começar por relembrar-se que a atividade das autarquias locais é uma atividade subordinada à lei. Nos termos dos artigos 237.º, 238.º, 241.º, 242.º e 254.º da Constituição, as autarquias locais exercem os poderes que a lei lhes confere e exercem-nos nos limites da Constituição e da lei. A elas se aplica ainda o disposto no artigo 266.º, n.º 2, da Constituição. E, em especial, a autonomia financeira que lhes está atribuída é, de acordo com o disposto no artigo 238.º da Constituição e nos artigos 2.º, 3.º e 4.º, entre outros, da Lei das Finanças Locais, enquadrada e limitada pela lei. Ora, se a lei aprovada pela Assembleia da República entendeu que as entidades integradas nos setor público administrativo, incluindo no seu subsetor local, por imperativos de controlo e restrição financeira num período de crise, deveriam limitar a assunção dos seus compromissos às suas disponibilidades e receitas efetivas, não se vislumbra como é que a interpretação para que a lei seja efetivamente aplicada pode estar afetada de inconstitu- cionalidade. Refere-se que a aplicação da LCPA afeta a autonomia financeira local porque reduz a margem de manobra em matéria de gestão de tesouraria dos serviços municipalizados. Não há dúvida de que a autonomia de gestão dos serviços públicos é constrangida pelo controlo acrescido introduzido pela LCPA. O que ela faz é introduzir instrumentos de controlo, que até são, em primeira linha, de autocontrolo, para garantir que não são assumidos compromissos para além das efetivas disponibilidades de receita e que não são acumuladas dívidas e pagamentos devidos a terceiros que não possam ser pagos pelas receitas efetivamente (...) percebidas. Ora, o princípio do equilíbrio orçamental anual entre receitas e despesas e as preocupações com a sustenta- bilidade do endividamento e a equidade intergeracional constam já das leis aplicáveis como limites à autonomia financeira local. Estão contidos, designadamente, na lei das finanças locais, na lei de enquadramento orçamental e na própria constituição. Nessa perspetiva, a LCPA não está a instituir qualquer nova restrição à autonomia financeira local mas apenas a introduzir instrumentos de garantia de que as condições legais e constitucionais em que essa autonomia financeira existe são respeitadas. De resto, a LCPA contém instrumentos para que a gestão de tesouraria se possa fazer, quer em função das receitas esperadas quer em função do tipo de compromissos e despesas em causa, como sejam o aumento temporá- rio de fundos disponíveis e a autorização de encargos plurianuais. Para se afirmar que a gestão não é possível neste

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