TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015
21 acórdão n.º 96/15 Tal conclusão só não é perentória e de fundamento incontroverso porque, não obstante o entendimento acima expresso, pode subsistir alguma margem de dúvida quanto à identificação do crime para que remetia o artigo 107.º de Código do Notariado, na redação original deste diploma, como sendo o de falsificação intelectual de documento. Ora, resultando o caráter inovador ou não da atual formulação da sua comparação com a que lhe antecedeu, só uma certeza firme quanto ao alcance dos dois termos de comparação permite uma conclusão segura. De todo o modo, embora não esteja vedado à jurisdição constitucional, neste contexto e com esta finalidade, pronunciar-se por um determinado sentido interpretativo da normação ordinária, essa pronúncia não é aqui estri- tamente necessária. Na verdade, todos os fatores que dificultam a identificação segura dos crimes para que remetem as sucessivas normas de incriminação (dificultando, com isso, o juízo quanto ao caráter inovatório) são outros tan- tos fatores que, inversamente, robustecem a conclusão de que nos encontramos perante uma violação do princípio da legalidade penal, na sua dimensão material. É o que, de seguida, veremos. 9. O primeiro dado a ter em conta, nesta segunda vertente da questão, é o de que, como certeiramente ajuizou o acórdão recorrido, o tipo para que o artigo 97.º remete «não corresponde à epígrafe, nem ao conteúdo, de qual- quer incriminação do Código Penal ou de qualquer legislação extravagante que se conheça (…)». O estabelecimento de correspondência entre a fórmula “crime de falsas declarações perante oficial público” e um determinado tipo legal de crime é, assim, tarefa interpretativa, que, no entanto, se depara com dificuldades e incertezas incompatíveis com o princípio da legalidade, na vertente de nulla poena sine lege certa. (…) A segurança jurídico-criminal e a preservação do princípio da igualdade só ficam satisfeitos quando a decisão individualizada e concreta de condenação se pode fundar numa previsão normativa definidora, de forma certa e determinada, não só dos pressupostos, mas também da medida da punição. Não cumpre, manifestamente, esta exigência contida no princípio da legalidade criminal a remissão para a pena do crime de falsas declarações perante oficial público. Do catálogo de crimes tipificados não faz parte nenhum com esta designação. Os tipos mais próximos são os previstos nos artigos 359.º e 360.º do Código Penal. Mas não seria certo, desde logo, qual destas previsões – a que cabem molduras penais diferenciadas – estaria mais vocacio- nada para fixar a punição de uma conduta incriminada ao abrigo do artigo 97.º do Código do Notariado. (…) Como se vê, são múltiplas e inultrapassáveis as barreiras que obstam à objetiva determinabilidade, com um mínimo de certeza, da pena que cabe a uma conduta sujeita a incriminação pelo artigo 97.º do Código do Nota- riado. Em consequência, é de ajuizar que esta norma viola o princípio da legalidade penal, consagrado no artigo 29.º, n.º 1, da CRP.» 6. Verificando-se haver, em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade, mais de três decisões deste Tribunal no sentido da inconstitucionalidade da norma do artigo 97.º do Código do Notariado, apro- vada pelo Decreto-Lei n.º 207/95, de 14 de agosto, encontra-se preenchido o pressuposto da generalização do juízo de inconstitucionalidade, previsto no n.º 3 do artigo 281.º da Constituição. Todavia, importa ter em atenção que o campo da tutela penal da autonomia intencional do Estado e da responsabilidade criminal por falsas declarações perante autoridade pública ou funcionário público no exer- cício de funções, ponderado nos julgamentos subjacentes ao impulso de generalização em apreço a partir dos dados dos casos vertentes, sofreu modificação superveniente relevante, na perspetiva problemática ancorada na dimensão material do princípio da legalidade penal. A Lei n.º 19/2013, de 21 de fevereiro, aditou ao Código Penal o artigo 348.º-A, com a epígrafe “Falsas declarações”, prevendo no seu n.º 1 a punição com pena de prisão até um ano ou com pena de multa, se pena mais grave não couber por força de outra disposição legal, de “quem declarar ou atestar falsamente à autoridade pública ou a funcionário no exercício das suas funções identidade, estado ou outra qualidade a
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