TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015

206 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 6. Assim equacionada, a questão está longe de ser nova para a jurisprudência do Tribunal Constitucional. Logo nas primeiras décadas da sua atividade, o Tribunal desenvolveu o seu entendimento sobre quais seriam os princípios fundantes (e fundantes, porque impostos pela Constituição) do Direito Penal e do Direito Processual Penal. Numa série de decisões que se iniciaram em 1984 e se prolongaram pela década de 90 do século passado o Tribunal foi dizendo que a política criminal de um Estado de direito não poderia deixar de ser uma política assente no princípio da culpa; no princípio da necessidade das penas e das medidas de segurança; no princípio da subsidiariedade e no princípio da humanidade. Uma síntese de todo este entendimento pode ler-se, por exemplo, no Acórdão n.º 83/95 ( Acórdãos do Tribunal Constitucional , 30.º Vol., 1995, pp. 525 e 528): «O direito penal é um direito de proteção. Ele só deve, por isso, intervir para proteger bens jurídicos. E mais: a sua intervenção apenas se justifica se não for possível o recurso a outras medidas de política social, igualmente eficazes, mas menos «violentas» que as sanções criminais. O direito penal tem, assim, um caráter fragmentário e subsidiário, cumprindo uma função de última ratio .(…) O legislador, na sua decisão de criminalizar os compor- tamentos lesivos de bens jurídico-penais, tem ainda que observar outros princípios. Alguns deles, sendo embora princípios meta-jurídicos, acham-se precipitados, desde logo, na ideia de Estado de direito. É o caso do princípio da justiça, que impede que o legislador, quando decide punir uma conduta, atue de forma voluntarista e arbitrá- ria: ele deve sentir-se, antes e sempre, limitado (…) «pelas conceções de justiça que todo o ordenamento jurídico pressupõe». É o caso ainda do princípio da humanidade que reclama que as penas que o legislador cominar (o que só deve fazer se forem necessárias) sejam tão suaves quanto possível. (…) Mas mais: a liberdade de conformação do legislador, na sua decisão de criminalizar comportamentos humanos, acha-se limitado pelo princípio da pro- porcionalidade (…).» Contudo, antes de enunciar todos estes princípios enquanto princípios fundantes de qualquer política criminal de um Estado de direito, o Tribunal, no mesmo Acórdão, já tinha aludido a um elemento matricial de toda a sua construção, e ao qual atribuiu a designação de princípio da culpa. O sentido atribuído a este princípio vinha em continuidade com o que já fora dito em jurisprudência anterior (desde logo, no Acórdão n.º 16/84). O Tribunal resumiu-o da seguinte forma ( Acórdãos, cit., p. 525): « O direito penal, no Estado de direito, tem de edificar-se sobre o homem como ser responsável e livre – do homem que, sendo responsável pelos seus atos e responsável pelo estar com os outros, é capaz de se decidir pelo direito ou contra o direito. Há de ser, assim, um direito penal ancorado sobre o princípio da dignidade da pessoa humana, que tenha a culpa como fundamento e limite da pena, pois não é admissível a pena sem culpa, nem em medida tal que exceda a da culpa (itálico nosso).» Daqui decorreria logicamente a censura constitucional de qualquer norma que previsse uma pena fixa de prisão, que, precisamente por ser fixa, não poderia nunca modelar-se, na sua aplicação ao caso concreto, em função da culpa do agente. No entanto, alguns anos mais tarde, o Tribunal teve ocasião de se pronunciar expressamente sobre a questão da conformidade constitucional das penas fixas. Fê-lo no Acórdão n.º 95/01, em que estava m juízo «norma» muito próxima – mas não totalmente coincidente – com a que forma o objeto do presente recurso, porque constante do § único do artigo 67.º do Decreto n.º 44 623. Neste Acórdão n.º 95/01, disse o Tribunal que um direito penal de culpa seria sempre incompatível com a existência de quaisquer penas fixas, cominadas para que crimes fossem. É que, sendo a culpa princípio fundante da pena e também seu limite, seria sempre em função daquela (sem excluir, obviamente, exigências de prevenção) que, em cada caso, se deveria encontrar a medida concreta da pena, situada entre o mínimo e o máximo previstos na lei para o comportamento em causa. Esta afirmação viria a ser repetida, nomeadamente, pelos Acórdãos n. os 70/02 e 22/03 (todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt ) .

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=