TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015

20 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL declarações falsas para serem exaradas em documento autêntico, sobre pontos que o mesmo tem por fim certificar ou autenticar». Quanto à conexão destas previsões genéricas com o crime específico de falsas declarações em procedimento de justificação notarial, os antecedentes legislativos em nada contribuem para esclarecer a dúvida acima exposta, antes a adensam significativamente. Aquele procedimento foi criado pelo artigo 27.º da Lei n.º 2049, de 6 de agosto de 1951, para permitir a inscrição de direitos no registo predial, por parte de quem, invocando-os, não pudesse deles fazer prova por documento bastante. Tal procedimento traduzia-se numa “declaração do proprietário, prestada sob juramento e confirmada por três testemunhas idóneas”, prestada perante a entidade administrativa competente. Pelo Decreto-Lei n.º 40 603, de 18 de maio de 1956, tal entidade passou a ser o notário. Tanto num diploma como no outro, o crime cometido por quem prestasse, neste procedimento, falsas declarações era identificado como “o crime previsto no § 5.º do artigo 238.º do Código Penal”. Esta norma dispunha assim: «O testemunho falso em matéria civil será punido com prisão maior de dois a oito anos». É com o Código de Registo Predial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 42 565, de 8 de outubro de 1959, que as falsas declarações, no procedimento de justificação notarial, passaram a ser punidas com as penas aplicáveis ao “crime de falsidade” (artigo 276.º). Por contraste com as incriminações anteriores, e pela própria formulação utilizada, é defensável o entendimento de que se quis retirar o tipo legal de crime do âmbito da secção do Código Penal que versava sobre “do falso testemunho e outras falsas declarações perante a autoridade pública” – a secção VI, que justamente abria com o artigo 238.º – para o situar na secção II, que tratava “da falsificação de escritos”. (…) O Código de Registo Predial aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47 611, de 28 de março de 1965, remeteu a regulação desta matéria para o Código do Notariado, que veio a ser aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47 619, de 31 de março da 1967. Dele consta o artigo 107.º supra transcrito, o qual manteve a remissão para as penas aplicáveis ao crime de falsidade. Com o Código de Notariado, na versão aprovada pelo Decreto-Lei n.º 67/90, a incriminação passou, como vimos, para o artigo 106.º É com esta incriminação que surge a remissão para o “crime de falsas declarações perante oficial público”, mantida na versão em vigor. Perante esta alteração, é difícil sustentar – contrariamente ao que se deduzia da qualificação constante da acu- sação do Ministério Público – que a norma continuou a visar a penalização do crime de falsificação intelectual de documento, constante, após a revisão de 1982, da alínea b) do n.º 1 do artigo 228.º, e hoje localizada no artigo 256.º, n.º 1, alínea d) , do Código Penal. Se a nova sistemática do Código Penal, nesta matéria, impunha o aban- dono da designação “crime de falsidade”, por ter desaparecido esta categoria genérica, de forma alguma aconselhava a nova designação, se a intenção fosse deixar substancialmente tudo como dantes. Na verdade, a fórmula “crime de falsas declarações perante oficial público” está patentemente mais próxima da que designa o crime de “falsas declarações perante a autoridade”, previsto e punido, anteriormente à citada revisão, no artigo 242.º, e que passou a integrar um novo capítulo, referente aos “crimes contra a realização da justiça”, aí dando corpo a um segmento do artigo 402.º (…) Em face do exposto, tem boas razões por si a conclusão de que reveste caráter inovatório a alteração introduzida no Código do Notariado em 1990 e mantida na versão atual, o que, nesse pressuposto, acarreta, dada a inexistência de autorização legislativa, lesão ao princípio da legalidade penal, na sua dimensão formal. Na verdade, a norma constante do artigo 97.º do Código do Notariado (como já, antes dela a do artigo 107.º) só fica completa quando lida em conexão e integrada pela norma sancionadora para que remete e onde consta a moldura penal aplicável ao crime nela tipificado. (…) Daí que a alteração da norma para que é feita a remissão, com a consequente alteração da punição, importe inevitavelmente uma mudança substancial do alcance da norma do artigo 97.º, por confronto com o que dispunha o anterior artigo 107.º, devendo ser-lhe atribuído caráter inovatório.

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