TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015
192 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL situações de facto ou as relações da vida que hão de funcionar como elementos de referência a tratar igual ou desigualmente. Significa isto que só existirá infração ao princípio da igualdade quando os limites externos da discricionariedade legislativa sejam violados, isto é, quando a medida legislativa adotada não tenha adequado suporte material. Ou seja, a teoria da proibição do arbítrio não é um critério definidor do conteúdo do princípio da igual- dade, antes expressa e limita a competência de controlo judicial. Trata-se de um critério de controlabilidade judicial do princípio da igualdade que não põe em causa a liberdade de conformação do legislador ou a dis- cricionariedade legislativa. A proibição do arbítrio constitui um critério essencialmente negativo, com base no qual são censurados apenas os casos de flagrante e intolerável desigualdade. Definidos assim os contornos do princípio da igualdade nesta dimensão, importa agora apreciar se o mesmo se mostra violado pelas normas cuja aplicação foi recusada pela decisão recorrida. Como vimos, a «ação de reconhecimento de existência de contrato de trabalho» tem subjacente um procedimento prévio (previsto no artigo 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro), em que, tendo sido verificada a existência de indícios de uma situação de prestação de atividade, aparentemente autónoma, em condições análogas às de um contrato de trabalho, e na falta de regularização da situação pela entidade empregadora, a ACT remete participação dos factos para os serviços do Ministério Público para fins de ins- tauração de ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho. Ou seja, esta ação tem na sua base uma verificação prévia por parte de uma entidade pública (a ACT), a quem foram atribuídas competências para o efeito, da existência de indícios de uma situação de qualificação fraudulenta (e legalmente proibida) de um determinado contrato como tendo uma natureza diferente de um contrato de trabalho, com o objetivo da subtração da relação em causa ao regime laboral, causando-se com isso prejuízo ao trabalhador e ao Estado. Por outro lado, a intervenção do Estado neste âmbito tem, como vimos, subjacentes diversas razões de interesse público, que levam a que o Estado proceda a um escrutínio (e mesmo à punição) das situações em que se pretenda, de modo fraudulento, impedir a aplicação do regime laboral a uma relação jurídica que, substancialmente, tem as características de um contrato de trabalho. Estas razões fazem com a que a situação não seja idêntica aos casos em que, pura e simplesmente, surja um litígio entre determinadas pessoas sobre a qualificação de determinada relação jurídica (que, inclusive, poderá até já ter cessado), como contrato de trabalho. Por outro lado, nas situações em que se esteja perante circunstâncias idênticas às que motivaram a apro- vação do regime da ação para o reconhecimento de existência de contrato de trabalho, o trabalhador que pre- tenda discutir a qualificação da sua situação não está impedido de, em vez que propor uma ação de processo comum, participar a situação à Autoridade para as Condições de Trabalho que, na sequência dessa queixa, caso verifique que a situação se enquadra nos pressupostos previstos no artigo 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, dará seguimento à mesma no sentido de ser proposta a competente ação. Em suma, dificilmente se poderá falar numa situação de tratamento desigual de trabalhadores, mas ainda que assim fosse, tal diferença de tratamento (refletida nos diferentes mecanismos processuais colocados à disposição de cada um), não se poderia considerar desrazoável, arbitrária ou destituída de fundamento, de modo a que se pudesse considerar violadora do parâmetro constitucional da igualdade. Conclui-se, assim, que as normas cuja aplicação foi recusada não violam também o princípio da igual- dade, consagrado no artigo 13.º da Constituição. Em face do exposto e não se vislumbrando que as normas fiscalizadas possam violar qualquer outro parâmetro constitucional, deverá ser concedido provimento ao recurso, determinando-se a reforma da deci- são recorrida.
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