TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015
189 acórdão n.º 94/15 Em sentido semelhante, sustentando que a autonomia dogmática do direito do trabalho se alicerça em «princípios ou valorações materiais subjacentes ao sistema normativo laboral» que se diferenciam dos princípios subjacentes ao direito civil, Maria do Rosário Palma Ramalho refere que é «inevitável o reconheci- mento da autonomia dogmática do direito do trabalho, porque subjacentes aos diversos institutos e regimes laborais (…) se encontram valorações materiais específicas, e porque a própria construção da área jurídica em termos sistemáticos é informada por uma lógica que a afasta do direito civil: por um lado, (…) os prin- cipais institutos laborais (o contrato de trabalho, a convenção coletiva e a greve) mostram-se irredutíveis aos quadros dogmáticos do direito comum, porque o seu regime jurídico contraria alguns dos princípios civis fundamentais e se orienta por valores concorrentes ou alternativos aos do direito civil, como o da proteção do trabalhador ou o da salvaguarda dos interesses de gestão do empregador, o da igualdade de tratamento entre trabalhadores ou o da autonomia coletiva; por outro lado, a organização do sistema normativo laboral com base numa lógica coletiva e de autossuficiência (provada pela indissociabilidade dos fenómenos laborais individuais e coletivos e pela capacidade de desenvolver recursos específicos de tratamento dos problemas de interpretação e aplicação das normas laborais e da tutela dos interesses e institutos laborais, que asseguram a coerência interna e a sobrevivência do próprio sistema) mostra-se também inspirada por valores específicos, atinentes à proteção dos interesses dos trabalhadores e/ou dos empregadores, à autonomia coletiva ou à paz social» (cfr. Maria do Rosário Palma Ramalho, Da Autonomia Dogmática do Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, 2000, pp. 961-962; cfr. ainda, Tratado de Direito do Trabalho, Parte I – Dogmática Geral, 3.ª edi- ção, Almedina, Coimbra, 2012, pp. 493 e segs.). É neste contexto que tem de ser entendido o regime jurídico cuja aplicação foi recusada pela decisão recorrida, o qual visa prevenir as situações de utilização abusiva da figura do contrato de prestação de ser- viços em relações de trabalho subordinado ou da utilização dos chamados “falsos recibos verdes”, enquanto práticas de fuga ao regime laboral. Ora, como é manifesto, neste tipo de situações, desde logo, não se poderá falar na existência de expec- tativas legítimas, justificadas e fundadas em boas razões por parte dos destinatários das normas em causa. Tendo estes recorrido a uma prática de utilização abusiva ou fraudulenta de mecanismos que visavam impe- dir a aplicação do regime laboral, é manifesto que as expectativas que porventura tenham sido geradas com a celebração do contrato não serão legítimas. Não estando preenchidos estes requisitos essenciais à intervenção da tutela jurídico-constitucional da confiança, não é possível, com esse fundamento, julgar inconstitucional as normas sub judicio . Daí que seja forçoso concluir que não se mostra violado, pelo regime jurídico cuja aplicação foi recu- sada, o princípio da confiança, enquanto emanação da ideia de Estado de direito democrático. b) Da violação do princípio da «liberdade de escolha do género de trabalho» Segundo a decisão recorrida, podendo a «ação de reconhecimento de existência de contrato de trabalho» conduzir à modificação da relação jurídica em causa, torna-se possível atribuir a uma pessoa, que preste uma qualquer atividade a outrem, a qualidade jurídica de trabalhador, com sujeição às inerentes obrigações, quando essa pessoa não quer estar sujeita a nenhuma relação de subordinação jurídica ou quando está vin- culada a uma relação jurídica de um específico tipo contratual que não lhe permite ter uma ou outra relação jurídica de natureza laboral. Na primeira hipótese, segundo a decisão recorrida, enquadram-se os casos das pessoas que optem por exercer a sua atividade em regime distinto do contrato de trabalho para não estarem sujeitas às obrigações que este tipo de contrato impõe. Segundo a decisão recorrida, estas pessoas podem ver a sua liberdade de escolha do género de trabalho ser violada pela «ação de reconhecimento de existência de contrato de tra- balho». Na segunda hipótese, ainda de acordo com a decisão recorrida, encontram-se os prestadores de atividade que já têm um contrato de trabalho com uma certa entidade e que, embora podendo prestar tra- balho a outras pessoas ou entidades, não o podem legalmente fazer sujeitos a nova relação de subordinação jurídica, pelo que o fazem no quadro de um qualquer tipo contratual pelo qual livremente optam, o que lhes
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