TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015
188 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL em causa a relações jurídicas já celebradas e entendidas pelos contraentes como contratos de prestação de serviços. Tendo em atenção a jurisprudência do Tribunal Constitucional, a tutela jurídico-constitucional da «confiança» pressupõe que se mostrem reunidos quatro diferentes requisitos: «(…) é necessário, em primeiro lugar, que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados “expectativas” de continuidade; depois, devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspetiva de conti- nuidade do “comportamento” estadual; por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa» (cfr., Acórdão n.º 128/09, cujo entendimento teve seguimento, entre muitos outros, nos Acór- dãos n. os 188/09, 3/10 e 401/13, todos acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt ) . No caso concreto, e no que respeita ao primeiro dos aludidos requisitos, não se poderá afirmar que o Estado tenha tido comportamentos donde se possa inferir a criação, nos privados, de «expectativas» de con- tinuidade de um determinado regime legal. Com efeito, como se viu, tem havido sempre a preocupação por parte do Estado, no âmbito do direito do trabalho, de desincentivar as situações jurídico-laborais que, sendo equiparáveis a verdadeiros contratos de trabalho, desprotegessem em maior medida o trabalhador, bem como de combater as situações em que, por detrás de uma outra roupagem contratual, se constituem verdadeiras relações de trabalho subordinado. Assim, dificilmente se poderá sustentar que existissem fundadas expecta- tivas privadas no sentido de que não pudessem ser escrutinadas pelo Estado situações em que se levantassem dúvidas quanto à existência de um verdadeiro contrato de trabalho. Acresce ainda, e no que respeita agora ao segundo dos aludidos requisitos, que não se pode também dizer que as expectativas dos visados com as normas em causa, a existirem, sejam legítimas, justificadas e fundadas em boas razões. Com efeito, nas situações em que as referidas normas são convocáveis, não se poderá afirmar, contra- riamente ao que parece resultar da fundamentação da decisão recorrida, que as partes tenham, ao abrigo dos princípios da liberdade contratual e da autonomia privada, feito uma livre escolha do tipo contratual em que querem que a sua relação jurídica se desenvolva, tendo a expectativa de que, sem serem elas próprias a quererem-no ou a solicitá-lo em razão de um concreto conflito sobre tal relação, a qualificação dessa relação jurídica se mantenha inalterada. Em primeiro lugar, importa antes de mais, salientar que no âmbito do direito do trabalho o princípio da autonomia privada não tem a mesma amplitude que no direito civil. A este respeito, António Monteiro Fernandes ( Direito do Trabalho, 16.ª edição, Almedina, Coimbra, 2012, pp. 22-23), sustentando uma posi- ção que é comum na doutrina, refere o seguinte: «O Direito do Trabalho apresenta-se, assim, ao mesmo tempo, sob o signo da proteção do trabalhador e como um conjunto de limitações à autonomia privada individual. O contrato de trabalho é integrado por uma conste- lação de normas que vão desde as condições pré-contratuais, passam pelos direitos e deveres recíprocos das partes, atendem com particular intensidade aos termos em que o vínculo pode cessar, e vão até aspetos pós-contratuais (como a preferência na readmissão e a abstenção de concorrência). É, pois, traço de caráter do Direito do Trabalho a desvalorização da estipulação individual das condições de trabalho – a chamada “individualização” do conteúdo da relação de trabalho. Se a liberdade formal do candidato ao emprego é pressuposto do contrato, como meio de acesso ao trabalho livre – com exclusão do trabalho forçado, servil ou compelido –, a verdade é que a liberdade de estipulação está, pelo lado do trabalhador, originariamente condicionada. As condições do contrato, na medida em que se encontram na disponibilidade dos contraentes, são, em regra, ditadas pelo empregador, a quem cabe, também, a iniciativa do processo negocial e, depois, já na fase de execução do contrato, a determinação concreta da posição funcional do trabalhador. A atuação do Direito do Trabalho visa enquadrar, através de um sistema de limitações imperativas, o protagonismo do empregador na definição dos termos em que a relação de trabalho se vai desenvolver.»
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