TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015

187 acórdão n.º 94/15 regularizada uma situação de dissimulação do contrato de trabalho, através de uma ação de processo comum (cfr., a este respeito, Pedro Petrucci de Freitas, ob. cit. , pp.1426-1427). Tecidas estas considerações sobre o enquadramento geral do regime instituído pela Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto, bem como dos seus antecedentes legislativos, importa agora apreciar as questões de constitu- cionalidade em causa nos autos. a) Da violação do princípio do Estado de direito democrático, na vertente do princípio da segurança jurídica ou da proteção da confiança A decisão recorrida entendeu que o regime legal da «ação de reconhecimento de existência de contrato de trabalho» implica uma violação grave ao princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º da Constituição, na sua vertente do princípio da segurança e do princípio da confiança, entendido o pri- meiro «no sentido de que o indivíduo tem o direito de poder confiar que aos seus atos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçadas em normas jurídicas vigentes e validas se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos no ordenamento jurídico» e o segundo, no sentido de que a «previsibilidade das soluções visa a proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica de tal forma que as alterações na lei hão de ter em conta direitos adquiridos, expectativas criadas, situações jurídicas estabilizadas que justifiquem o sacrifício da aplicação imediata da nova lei». Segundo a decisão recorrida, a aludida desconformidade com a Constituição resulta da introdução pelo legislador de uma nova forma de processo, sem qualquer alteração legislativa do direito substantivo privado, nomeadamente, no que respeita aos princípios da liberdade contratual e da autonomia privada, especifica- mente concretizados na livre escolha pelas partes do tipo contratual em que querem que a sua relação jurídica se desenvolva, e na garantia de que, sem serem elas próprias a quererem-no ou a solicitá-lo em razão de um concreto conflito sobre tal relação, a qualificação jurídica da mesma se manterá inalterada. Importa, pois, apreciar se as normas cuja aplicação foi recusada, nos termos expostos, são violadoras do princípio da proteção da confiança. Como é sabido, a tutela constitucional da confiança emana do princípio do Estado de direito con- sagrado no artigo 2.º da Constituição. De acordo com Gomes Canotilho e Vital Moreira, o princípio do Estado de direito “mais do que constitutivo de preceitos jurídicos, é sobretudo conglobador e integrador de um amplo conjunto de regras e princípios dispersos pelo texto constitucional, que densificam a ideia de sujei- ção do poder a princípios e regras jurídicas, garantindo aos cidadãos liberdade, igualdade e segurança” (cfr. Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª edição, Almedina, Coimbra, p. 205). Acrescentam ainda estes autores que “não está à partida excluída a possibilidade de colher dele normas que não tenham expressão direta em qualquer dispositivo constitucional, desde que elas se apresentem como consequência imediata e irrecusável daquilo que constitui o cerne do Estado de direito democrático, a saber, a proteção dos cidadãos contra a prepotência, o arbítrio e a injustiça (especialmente por parte do Estado)” ( cit., p. 206). Ora, um dos princípios que surge como projeção irrecusável do Estado de direito, consagrado no artigo 2.º da Constituição, é justamente o princípio da segurança jurídica ou da proteção da confiança. A garantia de segurança jurídica, traduz-se, no plano subjetivo, na ideia de proteção da confiança dos particulares relativamente à estabilidade, continuidade, permanência e regularidade das situações e relações jurídicas vigentes, proteção essa que vale em relação as todas as áreas de atuação Estadual, mediante exigên- cias que são dirigidas à Administração, ao poder judicial e, particularmente, ao legislador. No caso dos autos está em causa a aplicação de um regime adjetivo previsto no Código de Processo do Trabalho, introduzido pela Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto, a relações laborais já existentes e qualificadas pelos respetivos contraentes como contratos de prestação de serviços (ou como outros tipos de contrato, que não o contrato de trabalho). A questão que se coloca é, pois, a de saber se tal circunstância pode justificar a existência de uma expecta- tiva jurídica que, à luz do princípio da proteção da confiança, torne inconstitucional a aplicação das normas

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