TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015
18 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Esta redação foi transposta integralmente para o artigo 97.º do Código do Notariado em vigor, que dá corpo à norma cuja aplicação foi recusada pelo acórdão recorrido, por inconstitucionalidade decorrente de alegada violação do princípio da legalidade penal consagrado no artigo 29.º, n. os 1 e 3, da Constituição. O Decreto-Lei n.º 207/95, de 14 de agosto, que aprovou o atual Código de Notariado, foi emitido no uso de competência própria do Governo [prevista hoje, após a 4.ª revisão constitucional, no artigo 198.º, n.º 1, alínea a) , da CRP], e não ao abrigo de lei de autorização. Ora, é exigência primária do princípio da legalidade penal que a incriminação e a pena constem de lei formal ou de decreto-lei autorizado, atendendo ao disposto no artigo 29.º, n.º 1, da CRP e também à integração na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, pelo artigo 165.º, n.º 1, alínea c) , da “definição dos crimes, penas, medidas de segurança e respetivos pressupostos”. Em face destes dados, a conformidade constitucional da norma do artigo 97.º do Código do Notariado só permanecerá intocada se puder ser sustentado o caráter não inovador dessa norma, em confronto com as suas ver- sões anteriores. Na verdade, tendo a primeira formulação da norma incriminatória surgido na versão originária do Código do Notariado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47619, de 31 de março de 1967 – logo, um diploma anterior à Constituição de 1976 – o vício de constitucionalidade orgânica estará afastado, desde que possa ser convincen- temente alegada uma linha de continuidade na evolução legislativa posterior, uma correspondência substancial do conteúdo regulador da disposição originária com o das normas resultantes das alterações posteriores. Efeti- vamente, é jurisprudência constante deste Tribunal que não resulta ferida a reserva relativa de competência da Assembleia da República se as normas constantes de diploma governamental, em matéria dentro dessa reserva, não criarem um regime materialmente diverso daquele que anteriormente vigorava por força de diplomas legais emanados de órgão competente (cfr., por exemplo, o Acórdão n.º 114/08). Começaremos por avaliar se foi esse aqui o caso. 7. A questão já foi desenvolvidamente apreciada no Acórdão n.º 340/05, que, considerando não inovatório o regime do artigo 97.º do Código do Notariado, decidiu, em aplicação daquela orientação, não julgar organica- mente inconstitucional a norma em causa. O mencionado aresto começou por comparar as pequenas diferenças de redação entre o artigo 107.º da versão originária do Código do Notariado e o atual artigo 97.º do mesmo diploma, no que concerne à fixação dos elementos de incriminação, tendo concluído que essas alterações “não se afiguram relevantes, parecendo resultar de mera altera- ção de estilo sem aptidão para consubstanciar uma modificação do conteúdo da norma que no preceito se contém”. Subscrevemos inteiramente este juízo. De facto, dessas diferenças – todas, praticamente, atinentes às formas verbais ou aos referentes terminológicos utilizados – não resulta alteridade do comportamento punido. É exata- mente o mesmo, em todos os elementos constitutivos, o tipo de conduta que se incrimina. Mas as duas normas também divergem no que diz respeito à determinação da pena aplicável à conduta nelas tipificada. Embora ambas se sirvam de uma técnica remissiva, para outra norma sancionadora, o artigo 107.º fá-lo para as “penas aplicáveis ao crime de falsidade”, ao passo que o artigo 97.º prescreve que os agentes incorrem “nas penas aplicáveis ao crime de falsas declarações perante oficial público”. Em apreciação desta alteração, também do ponto de vista do seu alcance inovatório, o Acórdão n.º 340/05 relacionou-a pertinentemente com mudanças de sistematização e de enquadramento normativos, no âmbito do Código Penal, nos seguintes termos: «(…) O Código Penal de 1886 (em vigor à data da edição do artigo 107.º do Código do Notariado de 1967) continha, no Título III do Livro Segundo, um Capítulo VI – “Das falsidades”, onde se incriminavam as “declarações falsas” e que incluía as seguintes Secções: I – “Da falsidade de moeda, notas de bancos nacionais e de alguns títulos do Estado”; II – “Da falsificação de escritos”; III – “Da falsificação de selos, cunhos e marcas”; IV – “Disposição comum às secções antecedentes deste capítulo”; V – “Dos nomes, trajos, empregos e títulos supostos ou usurpados”; VI – “Do falso testemunho e outras falsas declarações perante a autoridade pública”.
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=