TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015

179 acórdão n.º 94/15 94. Concretizando o seu pensamento, e lançando os fundamentos da decisão de não aplicação das normas dos artigos 26.º, n.º 1, alínea i) , e n.º 6; e 186.º-K a 186.º-R, do Código de Processo do Trabalho, por inconsti- tucionalidade, defendeu, o Mm.º decisor a quo , que o regime legal criado por estas normas jurídicas, representa uma intromissão ilegítima do Estado numa relação jurídica de natureza absolutamente privada, impondo aos contraentes a resolução judicial de um litígio inexistente e a desnecessária conformação de interesses convergentes ou não conflituantes, sem que se verifique qualquer interesse público cuja prossecução justifique tal intervenção, o que não se aceita. 95. Ora, contrariamente ao afirmado pelo Mm.º Juiz a quo , entendemos que o bloco normativo desaplicado não limita a liberdade contratual ou a autonomia das partes, uma vez que não as inibe de celebrarem quaisquer tipos de contratos, nomeadamente contratos de prestação de serviços. 96. Para além disso, também não aceitamos que a ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho promove um litígio onde o conflito era inexistente e os interesses contratuais eram convergentes, uma vez que, se o nomen juris atribuído ao contrato não corresponder aos seus objeto e conteúdo, em fraude à lei, então é seguro que inexiste tal convergência de interesses e que o litígio só não é espoletado porque o contraente mais frágil se encontra económica, social e juridicamente constrangido. 97. Contestados estes pressupostos ideológicos, contesta-se, igualmente, a consequência abusiva retirada pela douta decisão impugnada, no sentido de que a introdução, pelo legislador, de uma nova forma processual sem qualquer alteração legislativa do direito substantivo privado, constituiria uma mutação da ordem jurídica com a qual os destinatários não poderiam contar. 98. A previsibilidade da atuação dos poderes públicos, ínsita nos princípios da segurança jurídica e da con- fiança, reporta-se a expectativas, legitimamente criadas pelos cidadãos, resultantes de comportamentos dos poderes públicos e não, conforme resulta do sustentado na douta decisão recorrida, do desejo privado de imutabilidade da ordem jurídica. 99. Ora, conforme resulta, com evidente clareza, do caso sob escrutínio, nunca o Estado criou, nos cidadãos – trabalhadores ou empregadores –, qualquer expectativa de imutabilidade da ordem jurídica no tocante a meios processuais de defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores, que os levasse a prever, conformando, assim, as suas ações, que não seria criado um tipo processual que permitisse reconhecer se um contrato estabelecido entre privados, independentemente do seu nomen juris , era, ou não, um contrato de trabalho. 100. Assim, não ocorreu, pois, qualquer alteração imprevisível da ordem jurídica nem qualquer frustração de expectativas legítimas objetivamente consolidadas e, consequentemente, não se verifica que o bloco normativo desaplicado ofenda o princípio constitucional do Estado de direito democrático, plasmado no artigo 2.º da Cons- tituição da República Portuguesa, quer na sua vertente de princípio da segurança jurídica, quer na do princípio da confiança. 101. Não se verifica, igualmente, a ofensa do princípio da liberdade de escolha do género de trabalho, consa- grado no artigo 47.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, dado que as normas desaplicadas se revelam insuscetíveis de o violarem, uma vez que não regulam qualquer dimensão substantiva da eleição de uma profissão ou de um género de trabalho, objeto da proteção constitucional, apenas prescrevendo sobre o procedimento de adequação da regulamentação jurídica à atividade profissional efetivamente desenvolvida. 102. Por fim, também não violam, aquelas normas, o princípio constitucional da igualdade, o qual não é, sequer, convocável neste cenário de estrita contraposição entre regimes processuais distintos, marcados por diferen- ças insuscetíveis de se repercutirem significativamente nas esferas jurídicas dos cidadãos. 103. Todavia, ainda que assim não fosse, a regulamentação da ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho obedece aos requisitos constitucionais que alicerçam o princípio da igualdade, não o ofen- dendo, nomeadamente, na sua dimensão de proibição do arbítrio, contrariamente ao sustentado na douta sentença recorrida, tratando de forma proporcionalmente diferente, situações, também elas, diferentes. 104. Em face do ora expendido, não deverá o Tribunal Constitucional julgar materialmente inconstitucional as normas jurídicas contidas nos artigos 26.º, n.º 1, alínea i) , e n.º 6; e 186.º-K a 186.º-R, do Código de Processo do

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