TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015

176 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL constituem verdadeiras relações de trabalho subordinado, pelo que dificilmente se poderá sustentar que existissem fundadas expectativas privadas no sentido de que não pudessem ser escrutinadas pelo Estado situações em que se levantassem dúvidas quanto à existência de um verdadeiro contrato de trabalho. IV – Acresce ainda, e no que respeita agora ao segundo dos aludidos requisitos, que não se pode também dizer que as expectativas dos visados com as normas em causa, a existirem, sejam legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; com efeito, nas situações em que as referidas normas são convocáveis, não se poderá afirmar que as partes tenham, ao abrigo dos princípios da liberdade contratual e da auto- nomia privada, feito uma livre escolha do tipo contratual em que querem que a sua relação jurídica se desenvolva, tendo a expectativa de que, sem serem elas próprias a quererem-no ou a solicitá-lo em razão de um concreto conflito sobre tal relação, a qualificação dessa relação jurídica se mantenha inal- terada, desde logo porque no âmbito do direito do trabalho o princípio da autonomia privada não tem a mesma amplitude que no direito civil, alicerçando-se a autonomia dogmática do direito do trabalho em «princípios ou valorações materiais subjacentes ao sistema normativo laboral» que se diferenciam dos princípios subjacentes ao direito civil». V – É neste contexto que tem de ser entendido o regime jurídico cuja aplicação foi recusada pela decisão recorrida, o qual visa prevenir as situações de utilização abusiva da figura do contrato de prestação de serviços em relações de trabalho subordinado ou da utilização dos chamados “falsos recibos verdes”, enquanto práticas de fuga ao regime laboral; ora, neste tipo de situações não se poderá falar na exis- tência de expectativas legítimas, justificadas e fundadas em boas razões por parte dos destinatários das normas em causa, pois tendo estes recorrido a uma prática de utilização abusiva ou fraudulenta de mecanismos que visavam impedir a aplicação do regime laboral, é manifesto que as expectativas que porventura tenham sido geradas com a celebração do contrato não serão legítimas. VI – Não estando preenchidos estes requisitos essenciais à intervenção da tutela jurídico-constitucional da confiança, não é possível, com esse fundamento, julgar inconstitucionais as normas sub judicio , sendo forçoso concluir que não se mostra violado, pelo regime jurídico cuja aplicação foi recusada, o princí- pio da confiança, enquanto emanação da ideia de Estado de direito democrático. VII – A liberdade de escolha de profissão, consagrada no n.º 1 do artigo 47.º da Constituição, que a decisão recorrida entende ter sido violado, para além da faculdade de escolher livremente a profissão desejada, abrange, na sua dimensão positiva, diversas pretensões específicas, entre as quais «o direito de escolher o regime de trabalho», dimensão que a decisão recorrida entende ter sido violada pelo regime da «ação de reconhecimento de existência de contrato de trabalho». VIII– No entanto, é manifesto que tal regime legal não coloca em causa este direito, pois o que se pretende com o mesmo não é impor a quem presta determinada atividade remunerada que o faça, contra a sua vontade, em regime de contrato de trabalho, mesmo que o pretenda fazer em regime de trabalho independente, mas antes, combater a utilização indevida do contrato de prestação de serviço nas situa- ções em que, apesar de determinada relação ser formalmente titulada pelas partes como contrato de prestação de serviço, corresponda, substancialmente, a uma situação de trabalho subordinado, à qual deveria, por isso, ser aplicado o regime laboral.

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