TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015

172 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 5. Embora a recusa de aplicação seja referida unitariamente ao preceituado nos n. os 4 e 5 do artigo 382.º do CPP, a decisão recorrida pondera, no juízo de desconformidade constitucional formulado, duas dimensões norma- tivas distintas: i) Uma primeira, reportada ao disposto no n.º 4 do preceito, no sentido de que pode o Ministério Público determinar a realização de diligências essenciais à descoberta da verdade em fase de julgamento: ii) Uma segunda, reportada ao disposto no n.º 5 do preceito, no sentido em que se coloca na disponibilidade do Ministério Público o agendamento da audiência de julgamento. 5.1. Para fundar a recusa de aplicação do n.º 4 do artigo 382.º do CPP, com o sentido enunciado, o tribunal a quo considerou que tal norma fazia confluir na mesma entidade – o Ministério Público – a pos- sibilidade de dedução de acusação e a realização de diligências de prova pertinentes ao julgamento e sem assegurar o devido contraditório. Estaria, por essa via, lesados poderes exclusivos do julgador, como seja a determinação de diligências essenciais à descoberta da verdade e à boa decisão da causa, mormente “a favor do arguido” e de as apreciar na forma de processo sumário. Porém, e como aponta o Ministério Público, a norma do artigo 382.º, n.º 4, do CPP não consente que dela se extraia esse sentido. Em termos manifestos, nem os poderes conferidos ao Ministério Público regulam, por qualquer forma, os trâmites da fase posteriores à introdução do feito em juízo, nem, sobretudo, comportam qualquer efeito preclusivo ou mesmo limitador das competências do tribunal, de acordo com os princípios gerais, mormente o princípio da descoberta da verdade material, consignado no n.º 1 do artigo 340.º do Código de Processo Penal. Na verdade, e como emerge do disposto nos artigos 387.º, n.º 8, e 389.º, n.º 3, ambos do CPP, a possi- bilidade conferida ao Ministério Público de ordenar a realização de diligências, perspetivando a necessidade de produção de outros meios de prova para além da prova pessoal, como sejam exames, relatórios periciais ou documentos, constitui emanação da competência acusatória, em que se inclui o poder-dever de ofereci- mento das provas idóneas a instruir o julgamento, para além de se enquadrar inteiramente na função que a Constituição confere ao Ministério Público no artigo 219.º, de órgão de justiça orientado pelo princípio da legalidade da ação penal. Não impede, porém, o juiz de julgamento de determinar, oficiosamente ou a requerimento, a realização de diligências essenciais à descoberta da verdade quando o Ministério Público se tenha abstido de o fazer, ou de determinar a realização de outras, complementares, ou mesmo a repetição das provas cuja realização foi determinada pelo Ministério Público, se o entender justificado. Igualmente, não fica o arguido impedido de contraditar no decurso do julgamento o acervo probatório obtido por via do poder (vinculado) conferido pelo n.º 4 do artigo 382.º do Código de Processo Penal. Como se disse na Decisão Sumária n.º 691/14 (acessível em www.tribunalconstitucional.pt ) , perante questão normativa similar à aqui em apreço: «(... ) [N]o que respeita à norma do n.º 4 do artigo 382.º do CPP, na parte em que permite ao Ministério Público a realização de «diligências essências à descoberta da verdade» antes da apresentação do arguido a julga- mento em processo sumário, é (...) manifesto que não ocorre qualquer violação da Constituição. É que, pese embora a similitude semântica com os termos usados pelo legislador na enunciação dos princípios da verdade material e da investigação, que regem a produção de prova na fase processual do julgamento (artigo 340.º do CPP) – em que se confere ao julgador o poder-dever de determinar, mesmo oficiosamente, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa –, é evidente que o sentido da atribuição ao Ministério Público dos correspondentes poderes instrutórios não é o de subverter, nem as fases processuais do processo sumário, antecipando para uma fase prévia, dirigida pelo Ministério Público, diligências que integram materialmente a fase de julgamento e só podem valer no respeito máximo pelo princípio do contraditório, nem tão-pouco a de conferir àquele sujeito processual poderes que inte- gram as atribuições constitucionais do juiz.

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