TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015

169 acórdão n.º 83/15 Significando isto, não ser aceitável, sob pena de violação do princípio da independência, vertido na Lei Funda- mental, que o agendamento para a prática de um ato que é da exclusiva atribuição do Magistrado Judicial fique na disponibilidade de um Magistrado do Ministério Público, em clara extrapolação das atribuições que constitucio- nalmente se lhe encontram deferidas (artigo 219.º/1 da Constituição da República Portuguesa). Ademais; Ao Ministério Público incumbe, no âmbito do exercício da ação penal, a realização das diligências tidas como pertinentes, para a obtenção de prova conducente à dedução de acusação ou ao arquivamento, de acordo com a estrutura acusatória do processo penal (artigo 32.º/5 da Constituição da República Portuguesa). Não lhe incumbe a realização das “diligências de prova essenciais à descoberta da verdade” (n.º 4 do artigo 382.º do Código do Processo Penal, para o qual remete o n.º 5, já citado), pois que a descoberta da verdade (con- ducente a uma decisão final, quer condenatória, quer absolutória), é a finalidade privativa do julgamento. Acrescendo que, fazer confluir na mesma entidade (Ministério Público), a possibilidade de dedução de acusa- ção e de realização de “diligências de prova essenciais à descoberta da verdade” fora do âmbito próprio (ou seja, do julgamento e do contraditório que o define) é possibilidade que atenta contra as garantias de processo criminal, consagradas no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa. Sendo certo ainda, que o estatuído no artigo 382.º/5 do Código do Processo Penal, consente no limite, a possibilidade da convocação pelo Ministério Público para apresentação de arguido a julgamento, no vigésimo dia após detenção, impossibilitando o julgador, a quem incumbe nos termos do princípio do inquisitório que também norteia o Código do Processo Penal (e a ele, em exclusividade), a realização de diligência de prova tidas como essen- ciais à descoberta da verdade e à boa decisão da causa, que entenda dever ser levadas a cabo antes da realização do julgamento (v.g. relatórios periciais) a favor do arguido, e de as apreciar nesta forma especial do processo. Também por aqui se abrindo a porta à violação das garantias de processo criminal, consagradas no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa. Pelo exposto, tudo visto e ponderado decide-se: Não aplicar, por violação dos artigos 32.º, 202.º, 203.º e 219.º/1, todos da Constituição da República Portu- guesa (o último dos quais, por extrapolação das competências do Ministério Público), os n. os 5 e 4 (este último, na parte em que prevê a realização pelo Ministério Público de diligências de prova essenciais à descoberta da verdade, cujo local próprio é o julgamento) do artigo 383.º do Código do Processo Penal. Consequentemente: Tendo a tramitação dos autos decorrido ao abrigo do artigo 382.º, n. os 5 e 4 do Código do Processo Penal, que se decidiu não serem aplicáveis, por inconstitucionais, decide-se anular todo o processado subsequente à dedução da acusação. Notifique, aguardando os autos os seus ulteriores termos, mormente, o recurso a interpor da presente decisão.» 2. Veio o Ministério Público, invocando o disposto nos artigo 70.º, n.º 1, alínea a) , 71.º, n.º 1, e 78.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), interpor recurso (obrigatório) para o Tribunal Constitucio- nal do referido despacho, peticionando a apreciação da constitucionalidade da norma contida nos artigos 382.º, n. os 4 e 5, do Código de Processo Penal (doravante CPP), cuja aplicação fora recusada, por violação do disposto nos artigos 32.º, 202.º, 203.º e 219.º, n.º 1, da Constituição. 3. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal, foi determinada o prosseguimento para alega- ções, que apenas o recorrente apresentou. Nelas, conclui pelo provimento do recurso e revogação do despa- cho recorrido, sustentando o seguinte: «(...) 6.º Nos presentes autos, foi elaborado o competente auto de notícia (cfr. fls. 4-5 dos autos), por agente da GNR, pelo facto de, no dia 1 de agosto de 2014, A. se encontrar a conduzir um ciclomotor que se não encontrava registado em seu nome.

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