TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015
163 acórdão n.º 81/15 fundamental de impugnação dos atos administrativos lesivos dos particulares, consagrando um modelo de justiça administrativa que tem por função a proteção dos direitos dos particulares. 7. O tribunal prendeu-se à interpretação literal do preceito, ao invés de se apoiar num elemento sistemático – que, como vimos, rapidamente nos mostraria que o nosso ornamento jurídico na sua totalidade se inclina para garantir aos particulares um maior acesso à jurisdicionalidade administrativa – ou teleológico – que apontaria para a ratio da norma – o que se consubstanciou numa clara profanação no princípio da efetivação do direito de acesso à justiça, disposto no artigo 7.º do CPTA. 8. Assim, a aqui douta sentença em crise, optou pela interpretação do referido n.º 4 do artigo 59.º que mais restringe o acesso dos particulares à justiça violando o princípio da prevalência da interpretação mais conforme aos direitos fundamentais – aqui o direito fundamental do impugnante de acesso à justiça administrativa. 9. Acresce que interpretar este n.º 4 da forma que fez o tribunal, implica uma limitação ao acesso dos particu- lares à tutela jurisdicional e com isso consubstanciou uma violação do princípio constitucional da desconcentração administrativa (artigo 267.º, n.º 2 da CRP), podendo apenas o particular recorrer para o mesmo órgão – sem prejuízo, evidentemente, da estrutura hierárquica da organização administrativa – já que caducando o prazo de impugnação contenciosa (lembre-se que a decisão é proferida depois [de] vencido o prazo de impugnação conten- ciosa), resta apenas ao particular, recurso para o mesmo órgão. 10. E viola também o princípio constitucional da plenitude de tutela dos direitos dos particulares (há pois uma negação do direito fundamental ao recurso contencioso) e o princípio da efetividade da tutela (já que se preclude o prazo para impugnação contenciosa). 11. E o princípio pro actionae deveria ser determinante para impor aos Tribunais administrativos que, dentro dos vários sentidos (eventualmente) possíveis do artigo 59.º, n.º 4 do CPTA, optassem pela leitura que melhor permite assegurar a emissão de uma decisão de mérito, ao invés de decidirem automaticamente pela extempora- neidade na instauração da ação, com base num requisito processual não expressamente previsto naquela norma. 12. Assim, interpretando o disposto no n.º 4 do artigo 59.º do CPTA em conformidade com o referido elemento sistemático, o seus espírito e com os ditames constitucionais, teremos que concluir que a impugnação judicial apresentada pelo ora recorrente cumpriu o prazo legal, não se verificando a caducidade do direito de ação. 13. Na realidade, tendo a notificação sido recebida em 4 de Abril de 2011 e sido a reclamação graciosa recebida pela R. em 21 de Abril de 2011, decorreram 12 dias do prazo de 90 (e não 16 como se refere na douta sentença), uma vez que de 17 de Abril até 25 de Abril de 2011 decorreram as férias da Páscoa de 2011. 14. E, tendo a decisão da reclamação sido rececionada pelo recorrente em 16 de Outubro de 2011 e sido a impugnação judicial apresentada em 4 de Janeiro de 2012, reiniciou-se a contagem do prazo, tendo decorrido mais 66 dias do prazo, uma vez que entre 22 de Dezembro de 2011 e 3 de Janeiro de 2012 decorreram as férias judiciais do Natal de 2011. 15. Assim, decorreram apenas 78 dias do prazo de 90 de que dispunha o recorrente para intentar a ação. 16. Como tal, deverá ser julgada improcedente a exceção de caducidade invocada pela recorrida. 17. Por todo o exposto argui-se a inconstitucionalidade do entendimento normativo na decisão em mérito para conjugar as disposições dos artigos 59.º n.º 4 do CPTA e 165.º do CPA, no sentido de que a suspensão do prazo de impugnação contenciosa cessa com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respetivo prazo legal, conforme o facto que ocorrer em primeiro lugar. 18. Tal entendimento normativo viola as normas constitucionais constantes dos artigos 267.º, n.º 2, 268.º, n.º 4, da CRP; os princípios constitucionais da prevalência da interpretação mais conforme aos direitos fundamen- tais, o princípio constitucional da plenitude de tutela dos direitos dos particulares e o princípio da efetividade da tutela, o que gera a inconstitucionalidade daquela interpretação normativa.» (fls. 398-402) O recorrido não apresentou contra-alegações. Cumpre apreciar e decidir.
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