TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015

157 acórdão n.º 79/15 Vale aqui, pois, pese embora a norma do artigo 28.º da Lei n.º 30/2000 não defina em si mesma um tipo criminal, o que refere Augusto Silva Dias sobre a interpretação em direito penal: “o sentido possível das palavras é algo que não pode ser determinado de antemão (…), nem isoladamente, palavra a palavra”; “Só em conexão direta com os casos da vida, de um lado e o sentido normativo do «Tatbestand» , do outro, as palavras ou elementos típicos adquirem um sentido contextual” ( «Delicta in se» e «Delicta Mere Prohibita» , Coimbra, 2008, pp. 409-410). 18 . A decisão recorrida procede à análise do problema justamente por um prisma normativo complexo, encontrando na coordenação das proposições normativas dos artigos 2.º, n. os 1 e 2, e 28.º da Lei n.º 30/2000, de 29 de novembro, e do artigo 40.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, resposta à inter- rogação sobre o regime sancionatório aplicável à detenção para consumo de quantidade de estupefaciente qualquer que seja a quantidade, incluindo as que excedem o consumo individual por dez dias. Por ser assim, e ao contrário do que parece afirmar o recorrente, o iter interpretativo seguido pelo tri- bunal a quo não passou pela identificação no regime do consumo de estupefacientes introduzido em 2000 de uma lacuna, designadamente de uma lacuna de regulação. Esta tem pressuposta uma lei que aspira a uma regulação completa e esgotante do domínio material em que atua, cuja intenção reguladora subjacente teria tido tradução legal imperfeita, por deixar em branco ou em vazio o sancionamento da hipótese da aquisição ou detenção de estupefacientes destinados ao consumo em dose superior à necessária por dez dias (cfr. Fran- cesco Ferrara, Interpretação e Aplicação das Leis, 2.ª edição, Coimbra, 1963, pp. 154-164; e Batista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, reimpressão de 2011, pp. 194-199). Pelo contrário, com suporte literal na definição um âmbito restrito decorrente do segmento inicial do n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 30/2000 – “Para efeitos da presente lei” (e não do número precedente) – e na porta aberta à vigência do artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, decorrente da exceção – “exceto quanto ao cultivo” –, retirou o julgador a conclusão que a regulação contraordenacional do con- sumo de estupefacientes trazida pelo regime de 2000 era, por vontade expressa do legislador parlamentar, fragmentária ou incompleta. Isto porque expressamente limitada em função de um teto quantitativo fixo, mantendo-se, em paralelo com o cultivo de plantas para consumo, a criminalização da aquisição e detenção para consumo de quantidades tida por elevadas (para a solução descriminalizadora), sempre que a perigosi- dade da conduta para a saúde pública possa ultrapassar o âmbito interno do agente. Por isso se alude no AUJ n.º 8/08 a “aparente lacuna”, denotando que se não considera verificada efetiva omissão, esquecimento ou imperfeição de regulação por parte do legislador. Assim volta a acontecer quando se alude à revogação do artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 15/93 como mera aparência (cfr. ponto 5.9.), na medida em que da conjugação normativa o intérprete é levado a concluir que a reconfiguração da sua previ- são por derrogação tem pressuposto o sentido de continuação da punição criminal do consumo na hipótese contida no disposto no n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 30/2000. Neste entendimento, o referente normativo da revogação – aquele que, nas palavras de Figueiredo Dias, ob. cit. , pp. 289-290, só pode ser representado e pensado sob a lógica pressuposição de uma norma ou de um valor, no caso, uma realidade típica com previsão legal – não é, como alega o recorrente, todo o artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro – o que sempre colidiria com a exceção expressa do cultivo – mas, antes, o segmento ideal do tipo criminal sobreponível ao (novo) tipo contraordenacional. O que acarreta logicamente que a parte sobrante, correspondente ao comportamento previsto no n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 30/2000, persiste em vigor. Procedeu o tribunal a quo, por remissão para a fundamentação do AUJ n.º 8/08, então, a interpretação desdobrada numa dupla operação: i) uma interpretação restritiva da “revogação” constante do artigo 28.º da Lei n.º 30/2000, lendo-a com o sentido contextual do diploma em que se insere, ou seja, limitada no seu sentido ao alcance preciso do tipo de ilícito de mera ordenação social tipificado no artigo 2.º do diploma;

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