TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015
156 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL que o Direito concede à liberdade pessoal sobre a necessária realização das finalidades políticocriminais que justifi- cam a instituição do sistema penal e que está na base da especial força normativa que a nossa Constituição concede à garantia pessoal de não punição fora do domínio da legalidade, ao inclui-la no catálogo dos direitos, liberdades e garantias (artigo 29.º, n.º 1 e 3 da Constituição da República Portuguesa). No domínio da legalidade criminal, a linguagem da lei perde o sentido pragmático que geralmente tem no âmbito do direito para, excecionalmente, se conter dentro de um sentido semântico que abstrai da concreta teleo- logia da norma legal. Isto em nome da garantia da liberdade ético-pessoal que se situa no cerne da teleologia última do Direito. Saliente-se, aliás, que os autores que, no domínio do direito criminal, expressamente criticam o modelo da subsunção, e que apelam para uma metodologia hermeneuticamente aberta em que a analogia desempenhe um papel nuclear, são extremamente rigorosos no que respeita ao cumprimento do princípio da legalidade. É assim que eles entendem que os “sentidos literais possíveis” do texto são um limite garantístico relevante, mas insufi- ciente! (veja-se, por exemplo, Arthur Kaufmann, Filosofia do Direito, p. 191, n.º 55). O que significa que se em geral, no Direito penal, a analogia tem um papel ampliador das soluções previstas pelo legislador, nos domínios garantidos pelo princípio da legalidade criminal só poderá ter um papel limitador obrigando a reduzir a moldura do texto legal ao âmbito necessariamente mais restrito do “tipo de ilícito”.» Daí não decorre, sublinhe-se, que os postulados hermenêuticos gerais deixem de ser válidos em direito criminal: “Se o caso couber em um dos sentidos possíveis das palavras da lei nada há, a partir dá a acrescen- tar ou a retirar aos critérios gerais da interpretação jurídica” (Figueiredo Dias, Direito Penal. Parte Geral, I, Coimbra, 2.ª edição, p. 189). 17 . A critica que o recorrente dirige à interpretação acolhida na decisão recorrida, no plano jurídico- -constitucional de que nos ocupamos, reside no entendimento de que, em termos metodológicos, a norma incriminadora aplicada resulta do preenchimento de uma lacuna, constituindo por isso integração analógica. Para atingir tal conclusão, o enunciado linguístico tido como relevante para o recorrente cinge-se ao precei- tuado no artigo 28.º da Lei n.º 30/2000, e dele se diz que não é possível extrair outro sentido, a não ser o de que a norma incriminatória constante do n.º 2 do artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, deixou de vigorar, salvo quanto ao cultivo. Olhando apenas à meridiana literalidade do preceito, abstraindo de tudo o mais, seriamos tentados a concordar com o recorrente. Do segmento inicial do texto do artigo 28.º da Lei n.º 30/2000 emerge cate- goricamente que o artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, foi expressamente revogado, com exceção, também ela expressa, do cultivo de plantas para consumo. Fosse esse todo o problema e seriamos facilmente levados a concluir que foram excedidos os sentidos textuais possíveis da lei e, em consequência, reposta em vigor uma norma típica por via analógica. Simplesmente, o enunciado legal de que emerge o sentido normativo aplicado, seguindo o iter herme- nêutico do acórdão recorrido, não se atém ao texto do artigo 28.º, conjugando necessariamente uma plura- lidade de normas e enunciados linguísticos. Ora, à interpretação de normas revogatórias de norma criminal, como aquela que incide sobre normas típicas, não está aprioristicamente vedada a conexão com outras normas, suscetíveis de projetar a dúvida ou equivocidade sobre significado aparentemente meridiano. E, de seguida, conduzir justificadamente o intérprete à conclusão de que, a partir texto de vários preceitos, e mobilizando os diversos elementos de interpretação, é (ainda) possível obter um sentido normativo cabível na palavras da lei e conforme com a vontade do legislador. Temos que o filtro da admissibilidade da interpretação em direito criminal que decorre teor literal da lei e dos seus sentidos possíveis – a passagem do “funil invertido” a que alude Figueiredo Dias ( ob. cit. , p. 191) – pode, e em muitos casos deve, ser referida a uma conexão normativa construída a partir de uma pluralidade de enunciados linguísticos, cuja significação só é alcançada pela congregação de todos os elementos semânticos.
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