TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015
154 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Efetivamente, partindo da informação do autor do Anteprojeto de que nesse texto não se encontrava proposto qualquer limite desse tipo (Rui Pereira, ob. cit. , pp. 1160 e 1173), verifica-se que a Proposta de lei n.º 31/VIII ( Diário da Assembleia da República, II série A, n.º 47/VIII/1, de 8 de junho de 2000), que está na origem da Lei n.º 30/2000, de 29 de novembro, tomou rumo diverso. O seu artigo 2.º contém redação correspondente à que veio a ser aprovada, divergindo apenas no período fixado – 5 dias, em vez de 10 dias –, sem que da “explicitação global do regime proposto” se faça menção a esse elemento normativo. Além do mais, a análise das vicissitudes parlamentares por que passou o preceito, em que surgiram várias pro- postas de alteração, também não permite discernir a forma e as razões que levaram à elevação de tal período para dez dias (acessível em: http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=6026 ). Ainda assim, importa reter que não se tratou de elemento normativo surgido em fase avançada do pro- cesso legislativo – encontra-se logo no seu momento inicial, na proposta apresentada pelo Governo – sendo certo, por outro lado, que obviamente nada impedia a Assembleia da República de se desviar pontualmente da Estratégia aprovada. Note-se que a detenção de plantas, substâncias ou preparações em quantidade que exceda a necessá- ria para o consumo médio individual durante o período de 5 dias – aquele que constava da Proposta de lei n.º 31/VIII – corresponde à quantidade que, no n.º 3 do artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, exclui a reação criminal privilegiada reservada ao traficante-consumidor, cuja teleologia é a de “atenuar a punição em face de um indivíduo já com indícios de dependência ou habituação que precisará de «alimentar» esse estado, mas tal atenuação já não se compadece com a acumulação de stocks . Em vez de a lei contemporizar com a dose de subsistência, abriria a porta ao tráfico de maiores quantidades” (Lourenço Martins, Droga e Direito, Aequitas, 1994, pp. 157-158; o mesmo autor, in Droga, Nova Política Legislativa , cit., p. 448, sustenta que a norma do n.º 3 do artigo 26.º deverá ser considerada parcialmente derrogada, passando a referir-se, por coerência do sistema, ao período de 10 dias referido no n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 30/2000; no mesmo sentido, Cristina Líbano Monteiro, ob. cit. , p. 90). Poderíamos encontrar aí, na consideração de que o consumo aditivo, essencialmente carente de tratamento, é apenas compaginável com a aquisição ou detenção de estupefacientes em pequenas quantidades, para além de razões de facilidade de aplicação da lei, o fundamento para a introdução no regime do consumo de um elemento objetivo (cfr. sobre o que designa de tentação do objetivismo, Rui Pereira, ob. cit, p. 1160). 15 . Feito este percurso, importa agora determo-nos no questionado resultado interpretativo (defendido na doutrina por Cristina Líbano Monteiro, ob. cit. , pp. 86-99, e Maia Costa, “Breve nota sobre o novo regime punitivo do consumo de estupefacientes”, in Revista do Ministério Público, n.º 87, p. 147), em termos de dar resposta à questão de saber se, tal como vimos acontecer relativamente a outras posições interpretativas com expressão jurisprudencial e doutrinária, tem contra si obstáculo de índole constitucional, mormente aquele que lhe aponta o recorrente. Preliminarmente, importa notar que o recorrente invoca uma pluralidade de princípios constitucionais, concluindo pela violação não apenas da norma constitucional que consagra o princípio da legalidade, mas ainda de outras, como seja o disposto nos artigos 2.º, 3.º, n.º 3, 8.º, 16.º e 18.º da Constituição. Todavia, como decorre nas suas alegações, o recorrente não invoca autonomamente outros parâmetros de controlo, fazendo decorrer consequencialmente da infração do princípio da legalidade, na dimensão de proibição da analogia in malam partem, e em função dos seus fundamentos, a lesão de outros princípios consagrados na Constituição. Tudo está, pois, em saber se a interpretação seguida na decisão recorrida viola o princípio da legalidade penal, consagrado no artigo 29.º, n. os 1 e 3, da Constituição, de acordo com os quais: “Ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a ação ou a omissão, nem sofrer medida de segurança cujos pressupostos não estejam fixados em lei anterior” e “Não podem ser aplica- das penas ou medidas de segurança que não estejam expressamente cominadas em lei anterior”.
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