TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015

153 acórdão n.º 79/15 Com efeito, a partir do entendimento de que o n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 30/2000, contém “uma proibição forte, sob cominação penal implícita, de aquisição ou detenção de certas quantidades de drogas”, conclui-se no sentido de que «concluir que, na falta dessa cominação penal, se deve proceder a um alar- gamento contra legem do ilícito contraordenacional corresponde(rá) ainda a uma violação do princípio da legalidade (explicitado, em matéria de direito de mera ordenação social, no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro)”. Mais: “se não forem sancionados o consumo, a aquisição e a detenção para consumo de droga em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias, também o não deverão ser as condutas mais graves e censuráveis em que estejam em causa quan- tidades inferiores de droga, à luz do n.º 1 do artigo 13.º da Constituição”. É certo que o recorrente, em linha com algumas das declarações divergentes apostas no AUJ n.º 8/08, contesta a validade do pressuposto em que assenta o raciocínio: o de que o n.º 2 do artigo 2.º, comporta “para os efeitos da presente lei” (e não apenas do seu número anterior) um limite quantitativo, para além do qual o novo regime não atua, cuja função seria então tanto a de delimitar negativamente a esfera da tipici- dade contraordenacional, como a de consagrar – e determinar – positivamente a continuidade da reação de ordem criminal para a aquisição e detenção de estupefacientes para consumo próprio superior a 10 doses. Contrapõe-se à força categórica (em sentido negativo e positivo) que a posição prevalecente retira do apon- tado preceito, os elementos histórico e teleológico da interpretação, dos quais resultaria nítida a intenção legislativa de descriminalizar integralmente o consumo de estupefacientes. Porém, de tais elementos de interpretação não resulta suporte suficiente a que se tenha como unica- mente admissível, do ponto de vista metodológico, a interpretação sufragada pelo recorrente. Ao invés, tal posição tem contra si argumentos poderosos. Como se disse no recente Acórdão n.º 587/14: «Na verdade, o entendimento que vê na factualidade vertente um ilícito de mera ordenação social é metodo- logicamente inadequado, porquanto esbarra rotundamente na letra do artigo 2.º, n.º 2 da Lei n.º 30/2000 sem ter, nos demais elementos da interpretação, alicerces consistentes. Se, nos termos do n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, é de presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, não se vê como é que, a partir do n.º 2, a detenção de quantidade de droga superiores à nele previstas possa apenas indiciar a prática de crime de tráfico, constituindo, nessa medida, uma contraordenação. Numa palavra, a redação do preceito é categórica no sentido de excluir do regime contraordenacional a factualidade nele visada. Nem se argumente, por outro lado, que, atentos os elementos histórico e teleológico da interpretação, esta é a solução para que aponta o programa político-criminal subjacente ao diploma. Tanto na Estratégia Nacional de Luta Contra a Droga, como no mais recente Plano Nacional contra a Droga e as Toxicodependências, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 115/2006, de 24 de agosto, descobrem-se amiúde referências à “descriminalização do consumo de droga”, sem quaisquer precisões adicionais. Contudo, as razões que motivaram a transição de um modelo proibicionista de tipo contraordenacional, concretamente a inadequação e a desnecessi- dade de mobilização do ilícito criminal quando em causa estejam consumidores ocasionais ou ‘verdadeiros’ (doen- tes) toxicodependentes, não valem para todo o tipo de detenção ou aquisição, sem cuidar, portanto, dos riscos associados às quantidades efetivamente detidas e das dificuldades probatórias provenientes do facto de em muitos casos não ser possível averiguar ou provar os fins da posse de droga.» A esta ordem de considerações cabe acrescentar que, como observa Lourenço Martins (“Comentário”, cit., pp. 218-220), os trabalhos preparatórios e o desenvolvimento do processo parlamentar não permi- tem discernir qual o fundamento político-criminal subjacente à inclusão no n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 30/2000 de um elemento objetivo delimitador do âmbito do ilícito de mera ordenação social, bem como o que justificou a sua fixação na quantidade correspondente ao consumo médio individual por dez dias, sem paralelo na legislação precedente.

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