TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015
150 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Perante tal norma, colocou-se o problema de determinar a sua função e operatividade, sempre que, como acontece nos presentes autos, ficar demonstrado que o agente adquiriu ou detinha, comprovadamente para consumo próprio, uma quantidade que exceda a necessária para o consumo médio individual por 10 dias. É que, se a norma abre campo a que dela ser retire que, uma vez ultrapassado o limite objetivo nela fixado, a conduta não se encontra prevista como ilícito contraordenacional, mantendo-se então inalterada a sua tipificação como crime, o artigo 28.º da Lei n.º 30/2000, estipula: «(…) Artigo 28.º Normas revogadas São revogados o artigo 40.º, exceto quanto ao cultivo, e o artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, bem como as demais disposições que se mostrem incompatíveis com o presente regime. (…)» Qual então o enquadramento normativo de tais situações de facto? 11 . Na abordagem do problema, encontra-se na doutrina e na jurisprudência uma asserção consensual: a de que com o novo regime instituído pela Lei n.º 30/2000, de 29 de novembro, o legislador quis segura- mente manter proibido o consumo, bem como a sua aquisição e detenção com essa finalidade, e sujeito a medidas repressivas, maxime através da imposição de uma sanção. A partir daí, a questão sobre qual a sanção correspondente ao desvalor legal da aquisição e detenção para consumo correspondente à dose média indi- vidual por mais de dez dias sofreu controvérsia ao longo dos quase 14 anos de vigência do referido diploma, sem que o legislador tenha introduzido qualquer modificação neste campo de regulação (foram vários, nesse período, os apelos a intervenção legislativa clarificadora; cfr., a título de exemplo, Rui Pereira, “A descrimina- ção do consumo de droga”, in Líber discipulorum, Coimbra, 2003, p. 1176; Lourenço Martins, “Comentá- rio”, in Revista do Ministério Público, n.º 115, julho/agosto, 2008, p. 230; e Maia Costa, “Descriminalização do Consumo de Estupefacientes”, in Revista Toxicodependências, n.º 3, 2009, p. 7). 12 . A jurisprudência e a doutrina fornecem, no essencial, três respostas distintas à questão enunciada: i) Uma primeira, considera que, afastada por via de revogação a punição pelo crime tipificado no artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 15/83, de 22 de janeiro (e com ele o elemento excludente do tipo do artigo 21.º do mesmo diploma), e circunscrita a descriminalização às condutas que não ultrapassem o limiar objetivo estatuído no n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 30/2000, de 29 de novembro, para a ilicitude contraordenacional, teria sido operada uma correspondente expansão da margem de punição do tráfico de estupefacientes. A conduta de quem adquire ou detém para consumo próprio quantidade superior ao necessário para o consumo individual durante 10 dias, cabendo na previsão do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, seria então sancionada nesses termos, cabendo-se a pena de 1 a 5 anos de prisão. ii) Uma segunda, culmina em interpretação extensiva da norma do artigo 2.º, n.º 1, da Lei n.º 30/2000, de 29 de novembro, em termos de considerar descriminalizada toda e qualquer aquisição e deten- ção para consumo, independentemente da quantidade, que constituiria invariavelmente ilícito de natureza contraordenacional sujeito ao regime sancionatório estatuído no diploma. Nesta ótica, a norma do n.º 2 do artigo 2.º da mesma Lei, não conteria qualquer dimensão substantiva, inte- grando antes mero critério indiciário de apreciação da intenção (de tráfico) do agente. iii) Uma terceira, acolhida no AUJ n.º 8/08, corresponde ao resultado interpretativo cuja conformidade constitucional vem questionada, de acordo com o qual há que considerar que a revogação do artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 15/93 é circunscrita ao contexto do próprio diploma, mantendo-se em
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