TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015

148 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 10 . Os contornos do problema jurídico-criminal que conduziu à interpretação normativa cuja con- formidade constitucional é posta em crise são bem conhecidos, pois sobre o mesmo incidiu acesa discussão doutrinal e jurisprudencial, culminando, perante pronúncias divergentes do Supremo Tribunal de Justiça, pela prolação por este do AUJ n.º 8/08, de 25 de junho de 2008. De acordo com o seu artigo 1.º, o Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, teve como objeto a definição do regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas. A técnica legislativa empregue passou pela criação de um crime matricial, com referência ao qual são previstos tipos derivados, em função da definição de circunstâncias agravantes (artigo 24.º), da diminuição sensível da ilicitude (artigo 25.º), ou da diminuição da culpa decorrente da conexão causal entre o (pequeno) tráfico e o consumo próprio (artigo 26.º). À problemática do consumo de estupefacientes, o legislador dedicou um capítulo próprio – o IV, cuja titulação “consumo e tratamento” denota o relevo da resposta terapêutica –, onde se encontra, no artigo 40.º, a previsão de um crime de consumo, com o seguinte teor: «(…) Artigo 40.º Consumo 1. Quem consumir ou, para o seu consumo, cultivar, adquirir ou detiver plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 30 dias. 2. Se a quantidade de plantas, substâncias ou preparações cultivadas, detida ou adquirida pelo agente exceder a necessária para o consumo médio individual durante o período de 3 dias, a pena é de prisão até 1 ano ou de multa até 120 dias. 3. (…)» No tipo encontra-se a definição do âmbito de aplicação da criminalização do consumo, abarcando o ato de consumo propriamente dito e, também, condutas que a ele se destinam mas não apresentam como pressuposto da punição a sua efetivação: cultivo, aquisição e detenção, sempre exclusivamente para consumo próprio. Procurou-se, dessa forma, consagrar no sistema normativo um lugar à parte, privilegiado, para o san- cionamento do consumo de estupefacientes, radicado em particulares finalidades jurídico-penais e ancorado numa reflexão que deveria prosseguir. O preâmbulo do diploma é, a esse propósito, elucidativo, quando, depois de enunciar as soluções de direito comparado, se diz estar “muito longe do encerramento da discus- são sobre tão controverso tema” e esclarece: “o ditame fundamental das alterações introduzidas neste ponto dirigir-se-á ao moldar da utensilagem jurídica no sentido de contribuir, no máximo da sua valência, para que o toxicodependente ou consumidor habitual se liberte da escravidão que o domina, mediante os incentivos adequados ao tratamento médico e da reabilitação que o tragam de volta para o cortejo da vida útil, se pos- sível feliz, no seio da comunidade”. O tipo do artigo 40.º operou igualmente a delimitação negativa do âmbito de punição do tráfico de estupefacientes. Com efeito, através da introdução da ressalva “fora dos casos previstos no artigo 40.º” na previsão das condutas típicas constante do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro – reconhe- cidamente muito ampla, abarcando praticamente todas as formas de contacto e de domínio sobre estupefa- cientes –, o legislador excluiu do âmbito de criminalização como tráfico de estupefacientes todas as condutas que encontrassem subsunção no tipo que assumia especificamente a tutela jurídico-criminal do consumo. No sistema Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, tráfico e consumo são assim tipos alternativos de modo que o preenchimento de um afastava o do outro e vice-versa (Cristina Líbano Monteiro, ob. cit, pp. 86-87). Seis anos mais tarde, através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 46/99, de 26 de maio, é apro- vada a Estratégia Nacional de Luta contra a Droga. Dela decorre a opção estratégica de descriminalização do consumo de estupefacientes e da manutenção do desvalor legal do consumo e da aquisição e posse de drogas,

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