TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015

147 acórdão n.º 79/15 concreto, o mesmo já não sucede quando o referente é uma figura processual abstrata normativamente pre- vista, como é o caso da declaração de contumácia. Mais recentemente, o Tribunal tem vindo a apreciar questões relativas a normas processuais penais subs- tantivas, na vertente da sua conformidade com o princípio da legalidade penal, consagrado no artigo 29.º, n. os 1 e 3, da Constituição, averiguando se a interpretação normativa posta a controlo ainda se contém num sentido possível das palavras da lei, constituindo, então, uma forma de interpretação declarativa que, como tal, não infringe o apontado princípio, ou, ao invés, se é patente que o critério de decisão aplicado foi obtido através de uma metodologia incompatível com o princípio da legalidade. Assim aconteceu nos Acórdãos n. os 603/09, 186/13, 342/13 e, por último, no Acórdão n.º 587/14. Perante questão normativa idêntica à aqui em apreço, afirma-se neste último aresto: «[M]uito embora a opção por um modelo de controlo normativo tenha visível respaldo na Constituição, não resultando exclusivamente de uma solução legal nem tampouco de uma interpretação jurisprudencial, certo é que há que conjugar esta impostação com as demais regras e princípios constitucionais. Na verdade, se a Constituição consagra-a, no seu artigo 29.º, n.º 1, o princípio da legalidade criminal, extraindo-se do âmbito de proteção de tal normativo a proibição de aplicação analógica de normas incriminadoras, uma interpretação sistemática do texto constitucional aconselha a que esse momento hermenêutico se converta num “pedaço” de normatividade integrante do objeto de controlo. Daqui não resulta que o Tribunal Constitucional haja de escrutinar qualquer processo hermenêutico que, em matéria penal ou processo penal, venha a ser adotado a nível inconstitucional. O iter metodológico seguido pelo tribunal recorrido no apuramento do sentido normativo da norma permanece insindicável, não cabendo ao Tribunal Constitucional repassá-lo, mas apenas verificar se foram ultrapassados os limites constitucionais a que esse iter está sujeito em matéria penal, concretamente, a proibição da analogia in malam partem .» Concordando-se com tal entendimento, cumpre tomar conhecimento do objeto do recurso. B) Apreciação 9. A questão colocada remete, como se disse, para o confronto com o princípio da legalidade de uma interpretação normativa, extraída da conjugação do disposto nos artigos 2.º, n. os 1 e 2 e 28.º da Lei n.º 30/2000, de 29 de novembro, e 40.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com o sentido de que “não obstante a derrogação operada pelo artigo 28.º da Lei n.º 30/2000, de 29 de novembro, o artigo 40.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, manteve-se em vigor não só quanto ao cultivo, como relativamente à aquisição ou detenção, para consumo próprio, de plantas, substâncias ou preparações com- preendidas nas tabelas I a IV, em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de dez dias”. Para o recorrente, tal interpretação normativa não apenas se afastaria da “solução mais adequada, do ponto de vista legal” e da que “parece ser legalmente admissível”, mas comportará verdadeiramente no seu iter o recurso à analogia, trilhando desse modo caminhos que a Constituição absolutamente proíbe. Pese embora a clareza do raciocínio que conduz a essa conclusão seja algo perturbada pela referência à lacuna legal, cuja integração teria levado à criação jurisprudencial da norma aplicada, como meramente “aparente” (cfr. conclusão 18.ª), podemos encontrar na argumentação do recorrente dois vetores principais de suporte da contrariedade constitucional de tal exercício, a saber: i) à Lei n.º 30/2000 presidiu o propósito orientador de descriminalizar totalmente o consumo de estupefacientes; ii) a interpretação que tenha em mente outro pensamento legislativo, mormente para efeito de restringir a norma revogatória constante do artigo 28.º da Lei n.º 30/2000, 29 de novembro, não encontra na letra do preceito um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, como exigido pelo artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=