TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015

146 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL visão, não é uma específica dimensão normativa de um preceito ou conjugação de preceitos, antes a deter- minação do seu âmbito de aplicação de acordo com a sua ratio , tarefa que integra a operação de subsunção jurídica do caso. De outro modo, considerou-se, estaria o Tribunal Constitucional, com fundamento na vio- lação do princípio da legalidade penal, a chamar a si a sindicância da correção ou bondade de interpretações efetuadas pelos demais tribunais, confundido e sobrepondo os planos jurídico-constitucional e de correção do erro de julgamento, por indevida interpretação do direito infraconstitucional (cfr. Acórdão n.º 674/99). Dentre os arestos que sufragaram este entendimento, merece destaque particular, pela proximidade com a questão aqui em apreço, o decidido no Acórdão n.º 385/03. Estava em discussão nesses autos uma recusa de aplicação da norma constante do n.º 2 do artigo 40.º da Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, de modo a abarcar situações de consumo de estupefacientes em quantidade superior à necessária para o consumo individual durante 10 dias, com fundamento em que a norma revogatória do artigo 28.º da Lei n.º 30/2000, de 29 de novembro, instalara no regime uma lacuna de regulamentação, insuscetível de ser preenchida por analogia por exigência do princípio da legalidade. Seguindo a orientação decorrente do Acórdão n.º 674/99, entendeu-se que não se estava perante questão normativa de inconstitucionalidade idónea à cognição do Tri- bunal, por o thema decidendum se traduzir na sindicância de um processo interpretativo e não de uma norma. A esta visão opõe-se o entendimento de que o Tribunal Constitucional assume poderes de cognição quando se trate de confrontar ao nível do processo interpretativo uma dimensão normativa efetivamente aplicada como critério de decisão com o princípio da legalidade da legalidade penal, encontrando-se afastada a competência do Tribunal apenas quando estiver em causa a qualificação dos factos ou a sua subsunção jurí- dica a certa disposição legal. Isto porque o processo interpretativo, extensivo ou de cariz analógico, seguido pelos tribunais, decorre, não de uma pura operação subsuntiva no tipo, mas da adoção de um critério nor- mativo dotado de elevada abstração e suscetível de ser invocado e aplicado a propósito de uma pluralidade de situações concretas (Acórdão n.º 110/07). O que está na base do dissídio é, no fundo, a questão de saber se o Tribunal Constitucional apenas pode sindicar o resultado interpretativo e não já o processo interpretativo, mormente quando o tribunal recorrido tenha chegado a uma dada solução jurídica por via de uma interpretação extensiva ou analógica. Se ao Tribunal estiver vedado questionar o processo interpretativo seguido por se entender que essa é ainda uma operação de subsunção jurídica, isso significaria que o princípio da legalidade penal opera apenas como limite constitucional à apreciação do julgador, obrigando o interprete a excluir interpretações que extravasem o sentido literal da lei, deixando de ter um qualquer valor autónomo como parâmetro da constitucionali- dade na fiscalização concreta. Nessa perspetiva, o Tribunal Constitucional nem mesmo poderia verificar a constitucionalidade do critério adotado, à luz do princípio da legalidade penal, quando o tribunal a quo tivesse enunciado explicitamente que aplicou um critério interpretativo extensivo, o que não pode ser aceite (Acórdãos n. os 331/03 e 336/03). A decisão invocada pelo recorrente em defesa da cognoscibilidade do presente recurso (Acórdão n.º 412/03), inscreve-se no âmbito problemático em que a divergência jurisprudencial mais se manifestou. Tratou-se da interpretação do preceituado nos artigos 336.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP), e 119.º, n.º 1, do Código Penal (CP), na redação originária de ambos os diplomas, segundo a qual a declara- ção de contumácia prevista naquele primeiro preceito constituía causa de suspensão da prescrição do pro- cedimento criminal, para efeitos do estatuído no segundo preceito, interpretação que havia sido fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, através de assento. Esta questão culminou no Acórdão n.º 183/08, proferido em Plenário, no qual se conheceu do objeto do recurso a partir de uma distinção metodológica relativa ao referente da norma legal. Assim, considerou-se que as normas podem referir-se: (i) a factos concretos; (ii) a factos típicos dotados de um certo grau de abstração; (iii) e a categorias normativas fixadas por lei. Se no primeiro caso, ou ainda no segundo, poderá estar em causa uma mera operação de subsunção jurídica que não cabe ao Tribunal Constitucional sindicar, ainda que venha invocado o princípio da legalidade penal, na medida em que esteja em causa a adequação do percurso hermenêutico que conduziu à aplicação das normas em causa ao caso

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