TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015

144 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Assim, por imperativo do artigo 280.º da Constituição, objeto do recurso (em sentido material) são exclusiva e necessariamente normas jurídicas, tomadas com o sentido que a decisão recorrida lhes tenha conferido, sem que caiba ao Tribunal Constitucional uma função revisora da atuação dos demais tribunais, fundada na direta imputação de violação da Constituição – mormente no plano dos direitos fundamentais – por tais decisões. Nos recursos interpostos ao abrigo da alínea  b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, como acontece nestes autos, a sua admissibilidade depende ainda da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de inconsti- tucionalidade haver sido suscitada durante o processo, de modo processualmente adequado perante o tribu- nal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (n.º 2 do artigo 72.º da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua  ratio decidendi , do sentido normativo cuja ilegitimidade constitucional vem arguida pelos recorrentes. Por outro lado, considerando o caráter ou função instrumental dos recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade face ao processo-base, exige-se, para que o recurso tenha efeito útil, que haja ocorrido efetiva aplicação pela decisão recorrida da norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade é sindicada. É necessário, pois, que exista identidade entre o objeto material do recurso, cuja enunciação clara e precisa incumbe ao recorrente, e o critério normativo que tenha constituído  ratio decidendi  do acórdão recorrido, pois, só assim, um eventual juízo de inconstitucionalidade poderá determinar a reformulação da decisão (artigo 80.º, n.º 2, da LTC). Expostos, sumariamente, os pressupostos essenciais ao conhecimento do recurso de constitucionalidade interposto nos termos do artigo 70.º, n.º 1, alínea  b) , da LTC, cumpre verificar o seu preenchimento. 7. O recorrente organiza o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional em três partes, como se denota da numeração conferida: (i) na primeira, o recorrente refere ter suscitado perante o Tribunal da Relação problema de inconstitucionalidade decorrente de, na sua ótica, ter sido condenado sem que exista lei anterior que puna a conduta; (ii) na segunda, enuncia-se a questão de constitucionalidade que se pretende colocar a controlo deste Tribunal, formulada como interpretação extraída da conjugação de dois preceitos – os artigos 40.º, n.º 2, da Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, e 28.º da Lei n.º 30/2000, de 29 de novembro –, culminando com a defesa do entendimento de que “sobre a inconstitucionalidade de dimensões interpretativas resultantes de interpretações dos tribunais, tem-se pronunciado favoravelmente esse Tribunal, designadamente no seu aresto n.º 412/03”; (iii) na terceira parte, correspondente a todo o ponto n.º 3, surge referência remissiva para as conclusões de recurso perante o Tribunal da Relação, seguida da transcrição integral do corpo da motivação do mesmo recurso, o que se diz fazer para demonstrar “o vertido nos artigos anteriores” e “por mera cautela”, tendo em atenção as exigências do artigo 75.º-A da LTC. Sendo essa a formulação conferida pelo recorrente à pretensão de controlo deduzida, dúvidas não há que o recorrente sinaliza em termos minimamente claros o propósito de ver apreciada uma interpretação norma- tiva, cuja conformidade constitucional é posta em crise no plano metodológico. E, como preceitos equacio- nados no iter interpretativo seguido na decisão recorrida e que se considera lesar o princípio da legalidade penal vertido no artigo 29.º, n.º 1, da Constituição, o requerimento de interposição de recurso explicita tão somente o disposto no artigo 28.º da Lei n.º 30/2000, de 29 de novembro, a cuja “dimensão interpretativa” é diretamente referida a infração da proibição do recurso à analogia, e bem assim, em virtude da sua aplicação “não obstante a derrogação operada”, ao artigo 40.º, n.º 2, da Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, “no sentido de que a detenção de produto estupefaciente para consumo pessoal é criminalmente punível”. Acresce que o desenvolvimento argumentativo que o recorrente escolheu incluir logo no requerimento de interposição de recurso comporta a defesa de uma solução jurídica para o problema, entre as várias acolhidas na jurisprudência e que conduziram à prolação pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ) de Acórdão de Uniformi- zação de Jurisprudência n.º 8/08 (publicado no Diário da República , 1.ª série, n.º 150, de 5 de agosto de 2008, adiante referido abreviadamente por “AUJ”), estribada unicamente nessas duas disposições e no que considera ser a leitura plausível do “espírito do legislador” e a adequada “leitura global do regime jurídico da droga”.

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