TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015

143 acórdão n.º 79/15 19. A interpretação preconizada pelo acórdão recorrido, no âmbito da interpretação restritiva da lei, é inconsti- tucional, porque viola o princípio da prevalência da Constituição, a qual impõe que, dentre as várias possibilidades de interpretação só deve escolher-se uma interpretação não contrária ao texto e programa da norma ou normas constitucionais, assim como viola o dever de aplicação do direito legal em conformidade com os direitos, liberda- des e garantias, na medida em que tal interpretação afronta o princípio da legalidade previst[o] no artigo 29.º da Constituição, inseridas no âmbito dos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados, quando a letra e o espírito da lei permitiam outra interpretação conforme à Lei Fundamental. 20. Tendo sido revogado um preceito que tipificava determinada conduta como crime, reanimá-lo através de interpretações aparentemente restritas mas que, em bom rigor, traduzem verdadeira integração de lacuna, além de consubstanciar uma violação do princípio da legalidade (artigo 29.º da Constituição e artigo 1.º, 1 do Código Penal), põe em causa a segurança jurídica, a justiça material e os direitos de defesa do arguido. 21. Com a entrada em vigor da Lei n.º 30/2000 operou-se, seja do ponto de vista do elemento literal do texto legal, seja do ponto de vista teleológico, a descriminalização do consumo e da aquisição e detenção de substâncias estupefacientes e, em conformidade, revogou o preceito incriminador que o previa, tudo se passando como se ine- xistisse qualquer previsão legal que sancionasse, a título de ilícito criminal, a conduta do recorrente. Termos em que o recurso merece provimento, com as legais consequências, designadamente a declaração de inconstitucionalidade dos normativos aplicados no ato decisório recorrido, bem como os entendimentos norma- tivos pelo mesmo aplicados.» 4.2. Por seu turno, o Ministério Público concluiu que “a conduta punida é claramente identificada pelo legislador, não subsistindo dúvidas quanto à proibição de detenção de estupefacientes em quantidade superior à considerada necessária para consumo individual durante dez dias” e que “[v]aria, apenas, o tipo de sanção aplicável, no caso de tal valor ser inferior (contraordenação) ou superior (ilícito criminal)”. 5. Por despacho do Relator, foi o recorrente notificado para se pronunciar, querendo, quanto à pos- sibilidade do recurso não ser conhecido, por ausência de identidade entre o objeto do recurso e o critério normativo efetivamente aplicado como ratio decidendi no acórdão recorrido. Veio o mesmo pugnar pelo conhecimento do recurso, dizendo que: “Da leitura do requerimento [de interposição de recurso], designadamente no excerto transcrito no artigo 7.º deste articulado, o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade da aplicação do artigo 40.º, 2 da Lei 15/93, apesar da derrogação expressa do citado normativo pelo artigo 28.º da Lei 30/2000, que conjugado e articulado com o disposto nos artigos 1.º e 2.º da Lei 30/2000, levou o Tribunal a quo a concluir que o artigo 40.º, 2 da Lei 15/93 manteve-se em vigor não só quanto ao cultivo, como relativamente à aquisição ou detenção, para consumo próprio, de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV, em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de dez dias”. Cumpre apreciar e decidir. II – Fundamentação A) Delimitação e conhecimento do objeto do recurso 6. Como tem sido amiúde salientado, no sistema português, os recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade comportam necessariamente objeto normativo, devendo incidir sobre a apreciação da constitucionalidade de normas ou interpretações normativas, e não sobre a apreciação de alegadas inconsti- tucionalidades imputadas pelo recorrente às decisões judiciais, em si mesmas consideradas.

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