TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015
142 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 9. Daqui parece resultar que a detenção e aquisição de estupefacientes para consumo, em que a quantidade excedesse a necessária para o consumo médio individual durante o período de dez dias, não constituiria contra – ordenação, mas antes crime, porém, o preceito legal em que vinham previstas e punidas estas condutas foi revogado pelo artigo 28.º da Lei n.º 30/2000, exceto quanto ao cultivo, pelo que as condutas em questão seriam punidas pelos artigos 21.º ou 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, porém, esta não parece ter sido a intenção do legislador, nem parece que seja a solução mais adequada, do ponto de vista legal. 10. Com efeito, para o preenchimento do tipo, é necessário que o cultivo, a aquisição e a detenção das substân- cias aí previstas não tenham como finalidade o consumo pessoal do agente, conforme decorre do texto legal, apesar do artigo 40.º ter sido parcialmente revogado, pois não foi introduzida qualquer alteração no artigo 21.º, nem o espírito da norma assim o impõe, sendo certo que a moldura penal abstrata aplicável ao crime de tráfico previsto no artigo 21.º é substancialmente mais elevada do que a que era aplicável ao crime de consumo previsto no artigo 40.º, 2 do mesmo diploma legal. 11. Não é plausível que o legislador pretendesse, com a Lei n.º 30/2000, agravar a punição do consumo de estupefacientes, tanto mais numa altura em que a estratégia nacional de luta contra a droga indicava que o rumo adotado foi o de descriminalizar o consumo de drogas. 12. Assim, não se vislumbra no espírito do legislador, nem na leitura global do regime jurídico da droga, que a aprovação da Lei n.º 30/2000 tenha presidido a intenção de agravar a punição dos agentes que adquiram ou dete- nham para consumo próprio quantidade de estupefaciente superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de dez dias – em conformidade ao próprio sentido da Lei n.º 30/2000, também estes devem ser distinguidos dos criminosos e também este necessitam de tratamento. 13. Com efeito, retirar do texto do artigo 28.º da Lei n.º 30/2000 que o legislador não pretendeu revogar o artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 15/93 quanto à detenção e aquisição de estupefacientes para consumo não enquadráveis na Lei n.º 30/2000, quando o teor do mesmo é: “são revogados o artigo 40.º, exceto quanto ao cul- tivo(…)”, não parece ser legalmente admissível. 14. Independentemente de serem ou não admissíveis, em direito penal, as interpretações extensivas de normas incriminadoras ou as interpretações restritivas de norma descriminalizadoras, o certo é que, como em qualquer interpretação da lei, não pode o intérprete considerar “… o pensamento legislativo que não tem na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”, devendo presumir que o legislador “(…) soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”, nos termos do artigo 9.º, 2 e 3 do Código Civil. 15. Por outro lado, não se pode argumentar que o legislador não cuidou de verificar a necessidade de introduzir exceções à revogação que operou no artigo 28.º da Lei n.º 30/2000. Na verdade, o legislador teve o cuidado de excecionar o que entendia dever manter uma sanção do tipo criminal: o cultivo. 16. A interpretação efetuada pelo acórdão recorrido, que subscreve o acórdão uniformizador de jurisprudência, não segue as regras legais de interpretação das normas, padecendo de inconstitucionalidade, na sua dimensão nor- mativa ao nível da interpretação do artigo 28.º da Lei n.º 30/2000, sendo que sobre a apreciação da constitucio- nalidade de dimensões normativas resultantes da interpretação dos Tribunais, tem-se pronunciado favoravelmente o Tribunal Constitucional, citando-se, a título meramente exemplificativo, os arestos n.º 412/2003 e 816/2002, da 2.ª secção. 17. A condenação crime e a pena respetiva estão condicionadas aos princípios da legalidade e da tipicidade consagradas no artigo 29.º da Constituição, a qual condiciona, entre o mais, a interpretação dos preceitos incrimi- nadores, proibindo o recurso à analogia e integração de lacunas, o que, aliás, decorre expressamente do artigo 1.º, 3 do Código Penal. 18. Analisado o acórdão recorrido, bem como o uniformizador de jurisprudência, a interpretação pelo mesmo preconizada vai mais longe do que a mera interpretação restritiva da norma revogatória do artigo 28.º da Lei n.º 30/2000, apresentando-se antes como uma integração de aparente lacuna legal, na senda do que estatui o artigo 10.º do Código Civil, mas inaplicável em sede de definição de tipos incriminadores, atentos os princípios da legalidade e da tipicidade.
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=