TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015

138 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL obtido através de uma metodologia incompatível com o princípio da legalidade; concordando-se com tal entendimento, cumpre tomar conhecimento do objeto do recurso. IV – De acordo com o seu artigo 1.º, o Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, teve como objeto a defi- nição do regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas; através da Lei n.º 30/2000, o legislador parlamentar deu corpo à opção de criar um novo regime do consumo de estupefacientes, do qual faz parte norma descriminalizadora e bem assim a alteração do âmbito de aplicação do artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, por revogação parcial; porém, enquanto à norma do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 30/2000, de 29 de novembro, pode limi- narmente ser atribuída a consagração de propósito descriminalizador integral do consumo de estupe- facientes, tal como antes jurídico-penalmente tutelado no artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro (exceto quanto ao cultivo para consumo próprio de plantas de onde possam ser extraídas substâncias ou preparados estupefacientes), em termos de se alinhar com o programa político-criminal; todavia, o n.º 2 do preceito veio pôr em crise essa conclusão, colocando-se o problema de determinar a sua função e operatividade, sempre que, como acontece nos presentes autos, ficar demonstrado que o agente adquiriu ou detinha, comprovadamente para consumo próprio, uma quantidade que exceda a necessária para o consumo médio individual por 10 dias; é que, se a norma abre campo a que dela se retire que, uma vez ultrapassado o limite objetivo nela fixado, a conduta não se encontra prevista como ilícito contraordenacional, mantendo-se então inalterada a sua tipificação como crime, o artigo 28.º da Lei n.º 30/2000 estipula que “são revogados o artigo 40.º, exceto quanto ao cultivo, e o artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, bem como as demais disposições que se mostrem incompatíveis” com aquele regime. V – Na abordagem do problema, encontra-se na doutrina e na jurisprudência uma asserção consensual: a de que com o novo regime instituído pela Lei n.º 30/2000, de 29 de novembro, o legislador quis segura- mente manter proibido o consumo, bem como a sua aquisição e detenção com essa finalidade, e sujeito a medidas repressivas, maxime através da imposição de uma sanção; a partir daí, a questão sobre qual a sanção correspondente ao desvalor legal da aquisição e detenção para consumo correspondente à dose média individual por mais de dez dias sofreu controvérsia ao longo dos quase 14 anos de vigência do refe- rido diploma, sem que o legislador tenha introduzido qualquer modificação neste campo de regulação. VI – Tudo está em saber se a interpretação seguida na decisão recorrida viola o princípio da legalidade penal, consagrado no artigo 29.º, n. os 1 e 3, da Constituição, residindo a crítica que o recorrente dirige à interpretação acolhida na decisão recorrida, no entendimento de que, em termos metodológicos, a norma incriminadora aplicada resulta do preenchimento de uma lacuna, constituindo por isso inte- gração analógica. VII – Ora, à interpretação de normas revogatórias de norma criminal, como aquela que incide sobre nor- mas típicas, não está aprioristicamente vedada a conexão com outras normas, suscetíveis de projetar a dúvida ou equivocidade sobre significado aparentemente meridiano e, de seguida, conduzir justi- ficadamente o intérprete à conclusão de que, a partir do texto de vários preceitos, e mobilizando os diversos elementos de interpretação, é (ainda) possível obter um sentido normativo cabível na palavras da lei e conforme com a vontade do legislador. VIII – No caso sob apreciação, a decisão recorrida procede à análise do problema justamente por um prisma normativo complexo, encontrando na coordenação das proposições normativas dos artigos 2.º, n. os 1 e

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