TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015
122 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Com efeito, estando em causa os efeitos jurídicos que decorrem para a esfera jurídica do credor de custas de parte, vencedor na ação, da concessão do benefício de apoio judiciário à contraparte, que ficou vencida, o juízo a formular em matéria de conformidade constitucional necessariamente reclama a prévia compreensão do sentido e alcance que a concessão de um tal benefício assume no quadro de regulação constitucional. É ponto assente que a Constituição não proclama nem garante o princípio da justiça gratuita ou ten- dencialmente gratuita, ao assegurar a todos o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos (artigo 20.º, n.º 1, da Constituição), contrariamente ao que sucede no domínio da saúde e da educação [cfr., respetivamente, artigos 64.º, n.º 2, alínea a) , e 74.º, n.º 2, alínea a) , da Constituição]. O serviço da justiça, sendo uma dimensão estruturante do Estado de direito democrático, tem custos e é legítima a sua imputação a quem a ele recorra, desde que fundada em critérios objetivos, adequados e razoáveis. O que a Constituição proíbe terminantemente é que se denegue justiça a quem não tenha meios económicos para suportar o respetivo custo. Por isso se impõe ao Estado que adote positivamente medidas destinadas a verificar as situações de insuficiência económica impeditivas do exercício desse direito funda- mental e assegurar a quem se encontre nessa situação o direito de recorrer aos tribunais para tutela efetiva dos seus direitos e interesses legalmente protegidos. Em cumprimento dessa injunção constitucional, o legislador concedeu proteção jurídica, nas modali- dades de consulta jurídica e de apoio judiciário, a quem demonstre estar em situação de insuficiência econó- mica (artigos 6.º e 7.º, n.º 1, da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho). No que respeita a esta última modalidade de proteção jurídica, previu expressamente, entre outras formas de apoio judiciário, o direito à dispensa do pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo [artigo 16.º, n.º 1, alínea a) , da Lei n.º 34/2004], o que quer significar simplesmente que o cidadão que recorre aos tribunais, em comprovada situação de insuficiência económica, não está obrigado a suportar a contrapartida financeira devida pelo serviço de justiça que lhe foi prestado, ou seja, a taxa de justiça, nem os demais encargos com o processo. A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixado em função do valor e complexidade da causa, nos termos do RCP (artigo 529.º, n.º 2, do Código de Processo Civil); os encargos do processo integram, por seu lado, todas as despesas resultantes da condução do processo, requeridas pelas partes ou ordenadas pelo juiz da causa (artigo 529.º, n.º 3, do mesmo código). Sucede que, conforme expressamente previsto no n.º 1 do artigo 529.º do Código de Processo Civil (CPC) e no n.º 1 do artigo 26.º do RCP, acima transcrito, as custas de parte integram-se no âmbito da con- denação judicial por custas, a suportar, em regra, por quem tiver dado causa à ação, isto é, a parte vencida (artigo 527.º, n. os 1 e 2, do CPC). As custas processuais compreendem, assim, não apenas a taxa de justiça e os encargos diretos com o processo, mas também as custas de parte, que, sendo estruturalmente um encargo, a lei define autonomamente como compreendendo «o que cada parte haja despendido com o processo e tenha direito a ser compensada em virtude da condenação da parte contrária» (artigo 529.º, n.º 1, do CPC). A lei confere, assim, ao vencedor na ação o direito a reaver da parte vencida, não apenas as taxas de justiça pagas mas também, entre o mais, uma compensação pelos custos suportados com os honorários do mandatário [artigo 533.º, n.º 2, alíneas a) e d) , do CPC, e artigo 26.º, n.º 3, alíneas a) e c) , do RCP], ainda que condicionado ao ónus de este exigir diretamente à parte vencida o pagamento dos respetivos custos. E embora as custas de parte não integrem a conta de custas, constituindo um crédito de cariz ressarcitório cujo pagamento deve ser diretamente exigido ao respetivo devedor, a parte vencida, não há dúvida que assiste ao respetivo titular, por opção legal, o correspondente direito, a reclamar mediante a apresentação da compe- tente nota discriminativa e justificativa. Assim sendo, quando a lei dispensa o beneficiário do apoio judiciário do pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo, está necessariamente a dispensá-lo também do pagamento das custas de parte, que, como acima sublinhado, estruturalmente constitui encargo do processo a suportar por quem ficar vencido na ação (neste sentido, cfr. Salvador da Costa, O Apoio Judiciário , 7.ª edição, Almedina, fls. 118). Isso mesmo o demonstra a norma do n.º 7 do artigo 4.º do RCP, que, enunciando a regra geral de que a isenção de custas não abrange os reembolsos à parte vencedora a título de custas de parte, expressamente
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