TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015
115 acórdão n.º 26/15 “A plenitude do acesso à jurisdição e os princípios da juridicidade e da igualdade postulam um sistema que assegure a proteção dos interessados contra os próprios atos jurisdicionais, incluindo um direito de recurso. É jurisprudência firme e abundante do Tribunal Constitucional que o direito de acesso aos tribunais não impõe ao legislador ordinário que garanta sempre aos interessados o acesso a diferentes graus de jurisdição para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos. A existência de limitações à recorribilidade funciona como mecanismo de racionalização do sistema judiciário, permitindo que o acesso à justiça não seja, na prática, posto em causa pelo colapso do sistema judiciário, decorrente da chegada de todas (ou da esmagadora maioria) das ações aos diversos “patamares” de recurso (…). O Tribunal Constitucional reconhece, no entanto, que – por força dos artigos 27.º, 28.º, e 32.º, n.º 1 – a exigência de um duplo grau de jurisdição (…) está constitucionalmente consagrada no âmbito do processo penal, não relativamente a todas as decisões proferidas, mas em relação às decisões condenatórias do arguido (…) bem como às decisões respeitantes à situação do arguido em face da privação ou restrição da liberdade ou de quaisquer outros direitos fundamentais (…). Conclusão análoga – sustentada, em termos ainda assim não inteiramente coincidentes, mais por parte da doutrina do que pela jurisprudência dominante (…) deve admitir-se relativamente às decisões jurisdicionais que imponham restrições a direitos, liberdades e garantias (ou, pelo menos, em face da preocupação consti- tucional, subjacente ao artigo 20.º, n.º 5, em assegurar a tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações dos direitos, liberdades e garantias pessoais, em relação às decisões jurisdicionais que restrinjam tais direitos). A conclusão baseia-se na analogia com a situação consagrada em matéria de restrições à liberdade e é coerente com o princípio do caráter restritivo das restrições aos direitos, liberdades e garantias, que se extrai do artigo 18.º, n.º 2 e 3”. (…) Importa aludir ainda a um outro limite que se impõe à liberdade de conformação do legislador em matéria de direito ao recurso em processo civil, decorrente do princípio do Estado de direito (artigo 2.º da Constituição) e, mais especificamente, do princípio da igualdade. Como o Tribunal tem também reiteradamente sublinhado, no processo civil, o que a lei tem de assegurar sempre a todos, sem discriminações de ordem económica, é o acesso a um grau de jurisdição. Contudo, se abrir o acesso à via judiciária em mais que um grau, tem de fazê-lo igualmente com respeito a todos, sem qualquer discriminação (cfr. Acórdãos n. os 360/05 e 163/90). A ampla margem de dis- cricionariedade concedida ao legislador na conformação do direito ao recurso em processo civil tem como limite a não consagração de regimes arbitrários, discriminatórios ou sem fundamento material bastante, em obediência ao princípio da igualdade (Acórdão n.º 202/99).” (…).» 9. Afastada a exigência constitucional da consagração genérica de um segundo grau de jurisdição, impõe-se verificar se a norma que fixa a irrecorribilidade, aqui em análise, se integra num regime arbitrário ou infundadamente diferenciador. De acordo com o tribunal a quo, a irrecorribilidade do despacho liminar de encerramento do incidente, com fundamento na improbabilidade de aprovação do plano de pagamentos, contrasta com a recorribilidade, nos termos gerais, do despacho que, pressupondo o prosseguimento do incidente, determina a suspensão do processo de insolvência até à decisão daquele incidente. Acrescenta a decisão recorrida que tal diferenciação comporta uma desigualdade, sem fundamento bastante. Vejamos se assim é. Como já referimos supra, a aprovação e homologação do plano de pagamentos acarreta inegáveis vanta- gens para o devedor, restringindo os efeitos da declaração de insolvência. Porém, como se salienta no Acór- dão n.º 69/14, tais vantagens “não constituem (…) direitos do devedor, antes configuram consequências da
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