TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015

114 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Não é desconhecida, porém, a tese da imposição constitucional da recorribilidade das decisões judiciais que afetem direitos fundamentais, pelo menos os que integram a categoria constitucional dos “direitos, liberdades e garantias”. Esta tese tem origem numa declaração de voto aposta por Vital Moreira, no Acórdão n.º 65/88 (em Acórdãos do Tribunal Constitucional , 11.º vol., p. 653) com o seguinte teor: “Votei a conclusão do acórdão, mas não acompanho em tudo a respectiva fundamentação. Com efeito, penso que háde considerarse constitucionalmente garantido – ao menos por decurso do princípio do Estado de direito democrático – o direito à reapreciação judicial das decisões judiciais que afectem direitos fundamentais, o que abrange não apenas as decisões condenatórias em matéria penal – como se reconhece no acórdão – mas também todas as decisões judiciais que afetem direitos fundamentais constitucionais, pelo menos os que inte- gram a categoria constitucional dos «direitos, liberdades e garantias» (artigos 25.º e seguintes da CRP). É neste entendimento que continuo a sustentar o que noutro lugar subscrevi ( Constituição da República Portuguesa Anotada, de que sou coautor, juntamente com J. J. Gomes Canotilho), no sentido de que «o direito de recurso para um tribunal superior tenha de ser contado entre as mais importantes garantias constitucionais», naturalmente quando se trata da «defesa de direitos fundamentais» ( ob. cit. , 2.ª edição, vol. 1.º, p. 181, nota III ao artigo 20.º). De resto, não é por acaso que em alguns ordenamentos constitucionais estrangeiros existem específicos recursos de defesa de direitos fundamentais («recurso de amparo», «Verfassungsbeschwerde» ), inclusive contra decisões judiciais, recurso normalmente destinado aos tribunais constitucionais, ou com funções de jurisdição constitucional. Entre nós, não existindo tal figura (cfr. ob. cit. , ibidem ), penso que não pode deixar de consi- derarse necessária ao menos a garantia de um grau de recurso (e portanto de um «duplo grau de jurisdição») como componente inerente ao regime constitucional das garantias dos direitos fundamentais constitucionais. Recordese, de resto, que uma tal ideia de reapreciação jurisdicional das decisões (inclusive as judiciais) que afetem direitos fundamentais encontra eco mesmo no plano de direito internacional, no âmbito da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, através da queixa dos particulares à Comissão Europeia dos Direitos do Homem, com eventual submissão de tal queixa ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.” A esta posição veio a aderir António Vitorino, na declaração de voto aposta ao Acórdão n.º 202/90 (em Acór- dãos do Tribunal Constitucional , 16.º vol., p. 505). Pode ler-se também no comentário de Gomes Canotilho e Vital Moreira ao artigo 20.º, da CRP (em Consti- tuição da República Portuguesa anotada , vol. I, pp. 161-165, da 4.ª edição, da Coimbra Editora): “O direito de acesso aos tribunais e à tutela judicial efetiva não fundamenta um direito subjetivo ao duplo grau de jurisdição. Discute-se em que medida o direito de acesso aos tribunais inclui o direito ao recurso das decisões judiciais, traduzido no direito ao duplo grau de jurisdição. A chamada doutrina de “2.ª instância em matéria penal” encontra-se expressamente consagrada no artigo 14.º-5 do PIDCP e resulta já do artigo 32.º-1 da CRP (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 210/86 e 8/87). Não existe, porém, um preceito constitu- cional a consagrar “a dupla instância” ou o duplo grau de jurisdição em termos gerais (Acórdãos do Tribunal Constitucional n. os  31/87, 65/88, 163/90, 259/97 e 595/98). Todavia, o recurso das decisões judiciais que afetem direitos fundamentais, designadamente direitos, liberdades e garantias, mesmo fora do âmbito penal, apresenta-se como garantia imprescindível desses direitos. Em todo o caso, embora o legislador disponha de liberdade de conformação quanto à regulação dos requisitos e graus de recurso, ele não pode regulá-lo de forma discriminatória, nem limitá-lo de forma excessiva (…)”. Referem ainda Jorge Miranda e Rui Medeiros (em Constituição Portuguesa Anotada , tomo I, p. 200, da edição de 2005, da Coimbra Editora) o seguinte:

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