TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015
113 acórdão n.º 26/15 «Constitui princípio geral do nosso ordenamento jurídico a recorribilidade das decisões judiciais. Contudo, a lei impõe certos limites objetivos à admissibilidade dos recursos, tendo em conta a natureza dos interesses nelas envolvidos e a sua repercussão económica para a parte vencida. O Tribunal Constitucional tem uma vasta jurisprudência a afirmar a ampla margem de discricionariedade reconhecida ao legislador na concreta conformação e delimitação dos pressupostos de admissibilidade e do regime dos recursos em processo civil, domínio em que, com ressalva para a matéria de direitos, liberdades e garantias, a Constituição não consagra o direito a um duplo grau de jurisdição. Existem, todavia, limites a observar pelo legislador ordinário na conformação do direito ao recurso, mesmo em processo civil. Desde logo, um limite decorrente da própria previsão constitucional de tribunais superiores a implicar a inadmissibilidade da eliminação total da faculdade de recorrer em qualquer caso (cfr., entre muitos, o Acórdão n.º 328/12, (…) com remissão para o Acórdão n.º 44/08, cuja desenvolvida análise sobre o direito ao recurso merece ser aqui recordada, nas partes pertinentes: «Importa saber o que está em causa quando se fala em direito ao recurso. A propósito do processo civil, ensinava Paulo Cunha ( Processo Comum de Declaração , 2.º Vol., pp. 368 e 376 e segs., edição de 1944, de Augusto Costa) que os recursos são os meios de impugnação da sentença que consistem em se procurar a eliminação dos defeitos da sentença injusta ou inválida por devolução do julgamento a outro órgão da judicatura hierarquicamente superior, ou em se procurar a correção de uma sentença já transitada em julgado.(…) Um olhar minimamente atento sobre as regras que conformam a extensão da recorribilidade no âmbito das diferentes jurisdições permite chegar à conclusão de que a regra geral adotada pelo legislador ordinário no nosso sistema processual é a da recorribilidade das decisões judiciais para instâncias superiores. (…) Contudo, olhando a Constituição, não vemos nenhum preceito que consagre expressamente, em termos gené- ricos, o direito a um duplo grau de jurisdição. A Revisão Constitucional de 1997 procedeu somente à alteração do artigo 32.º, n.º 1 da Constituição, auto- nomizando expressamente o recurso no contexto das garantias de defesa do arguido que o processo penal deve assegurar. Este direito ao recurso, como garantia de defesa, tem sido identificado pelo Tribunal Constitucional com a garantia do duplo grau de jurisdição quanto a decisões penais condenatórias e ainda quanto às decisões penais respeitantes à situação do arguido face à privação ou restrição da liberdade ou de quaisquer outros direitos fun- damentais. Ao mesmo tempo que isso é reconhecido, não se deixa igualmente de afirmar que a Constituição não assegura o duplo grau de jurisdição quanto a todas as decisões proferidas em processo penal, havendo assim de admitir-se que a faculdade de recorrer seja restringida ou limitada em certas fases do processo e que, relativamente a certas decisões, possa mesmo não existir, desde que, dessa forma, se não atinja o conteúdo essencial do direito de defesa do arguido. (…) Porém, são vários os preceitos constitucionais dos quais se pode retirar uma consagração implícita de um direito geral ao recurso, nomeadamente aqueles que se referem ao Supremo Tribunal de Justiça e aos Tribunais judiciais de primeira e segunda instância [artigos 209.º, n.º 1, a) , e 210.º, n.º 1, 3, 4 e 5]. Desta previsão constitucional de tribunais de diferente hierarquia resulta que o legislador ordinário não pode eliminar, pura e simplesmente, a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, na medida em que tal eliminação global dos recursos esvaziaria de qualquer sentido prático a competência dos tribunais superiores e deixaria sem conteúdo útil a sua previsão constitucional (cfr. Fernandes Thomaz e Colaço Canário, em “O objeto do recurso em processo civil”, na Revista da Ordem dos Advogados, Ano 42, 1982, II, pp. 365-366, e Armindo Ribeiro Mendes, na ob. cit. , pp. 124-127). Para além desta limitação, o legislador ordinário dispõe de uma ampla margem de liberdade na conformação do direito ao recurso.
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