TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015

112 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL juridicamente a eliminação ou a reorganização financeira de uma empresa segundo uma lógica de mercado, devolvendo o papel central aos credores, convertidos, por força da insolvência, em proprietários económicos da empresa.” Introduzindo o incidente do plano de pagamentos a possibilidade de o devedor ser menos penalizado pela declaração de insolvência, através de um regime que associa a essa declaração efeitos mais restritos do que os previstos no regime geral, não deixa o mesmo de se encontrar subordinado ao objetivo de satisfação dos credores. Em conformidade, dispõe o artigo 252.º, n.º 1, do CIRE, que “[o] plano de pagamentos deve conter uma proposta de satisfação dos direitos dos credores que acautele devidamente os interesses destes, de forma a obter a respetiva aprovação, tendo em conta a situação do devedor”. A manifesta inadequação do plano à satisfação eficiente dos interesses dos credores e a consequente alta inverosimilhança da sua aprovação legitimam o indeferimento liminar do incidente, nos termos do n.º 1 do artigo 255.º do CIRE. Este preceito impõe, desta forma, ao juiz uma “tarefa liminar de apreciação e valo- ração do conteúdo do plano de pagamento proposto, do ponto de vista da probabilidade da sua aprovação pelos credores. (…) O juiz deve, por assim dizer, colocar-se no lugar dos credores e avaliar os termos em que o plano tutela o interesse destes. Todavia, como se trata de um juízo liminar, não basta, para determinar o encerramento do incidente, que esse interesse não obtenha o acautelamento devido; é necessário que a satis- fação desse interesse seja pouco significativa, ou tão escassa, que um devedor normal, medianamente zeloso do seu interesse, nas circunstâncias do caso (em particular em função da situação patrimonial do devedor), preferiria correr os riscos do processo de insolvência a aprovar o plano” (Carvalho Fernandes, Joã Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2.ª edição, Lisboa, Quid Juris, 2013, anotação ao artigo 255.º, p. 936). Ou, como refere José Alberto Vieira, “Não se trata de fazer um juízo técnico sobre a viabilidade do plano de pagamentos sobre o aspeto económico, financeiro ou outro. Esse juízo cabe aos credores fazer e não ao juiz. Ao juiz cabe detetar se o plano está, ou não em condições de poder ser aprovado, pois, se não estiver, deve ser liminarmente indeferido” (José Alberto Vieira, “Insolvência de não empresários e titulares de pequenas empresas”, in Estudos em memória do Professor Doutor José Dias Marques, Almedina, 2007, p. 263) O despacho de encerramento do incidente, com base na circunstância de a aprovação do plano de pagamentos se apresentar altamente improvável, é irrecorrível, nos termos do n.º 1 do artigo 255.º do CIRE. É esta irrecorribilidade que suscita o juízo de inconstitucionalidade, que motivou a interposição do presente recurso. 8. O Tribunal Constitucional já teve oportunidade de apreciar a constitucionalidade de outra norma que consagra a irrecorribilidade de despacho judicial inserido no mesmo incidente do plano de pagamentos: a norma do n.º 4 do artigo 258.º do CIRE, na interpretação segundo a qual não é permitido o recurso pelos devedores da decisão que indefira o pedido de suprimento da aprovação de qualquer credor, e, consequente- mente, da sentença não homologatória do plano apresentado. De facto, no âmbito do Acórdão n.º 69/14 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt , onde poderão ser encontrados todos os arestos deste Tribunal, identificados infra ), o Tribunal Constitucional julgou não inconstitucional o enunciado critério normativo, debruçando-se sobre parâmetros de constitucionalidade que se mostram pertinentes para a sindicância da norma aqui em apreciação. Averiguou, designadamente, se existe uma obrigação constitucionalmente imposta de consagração genérica de um segundo grau de jurisdi- ção. Por essa razão, a fundamentação aduzida em tal aresto é, em grande parte, aplicável à análise do objeto do presente recurso, circunstância que legitima a transcrição dos seus excertos mais significativos, nos termos seguintes:

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=