TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015

111 acórdão n.º 26/15 Os recorridos, nas suas alegações, defendem ainda que a norma em apreço viola igualmente o direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais ou à tutela jurisdicional efetiva, plasmado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa. 6. O preceito, que serve de base à norma em análise, insere-se no regime específico da insolvência de não empresários e titulares de pequenas empresas (capítulo II do título XII do CIRE) e integra-se no incidente do plano de pagamentos aos credores, regulado nos termos dos artigos 251.º a 263.º, do referido diploma. De acordo com tal regime, se o devedor for uma pessoa singular não empresário ou, sendo pessoa singu- lar e empresário, não tiver sido titular da exploração de qualquer empresa nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência ou, tendo-o sido ou sendo-o presentemente, se, cumulativamente, à data do início do processo, não tiver dívidas laborais, o número dos seus credores não for superior a 20 e o seu passivo global não exceder € 300 000 (artigo 249.º, n.º 1, do CIRE), pode apresentar um plano de pagamento aos credo- res. Tal faculdade pode ser exercida aquando da apresentação da petição inicial do processo de insolvência (artigo 251.º, n.º 1) ou, no caso de a insolvência ser requerida por terceiro, no prazo da contestação e em alternativa a esta, devendo, para tal efeito, ser o devedor advertido no ato de citação (artigo 253.º). O plano de pagamentos “reveste a natureza de uma proposta contratual escrita, devendo ser formulada pelo devedor em termos que permitam obter o consenso com os seus credores, tomando em consideração o grau de satisfação dos seus direitos perante a efetiva situação patrimonial do devedor” (Menezes Leitão, Direito da Insolvência, Coimbra, Almedina, 2009, p. 323). O incidente do plano de pagamentos, visando obviar à tramitação normal do processo de insolvência, consubstancia uma medida de proteção, tendente a diminuir o impacto dos efeitos da declaração de insol- vência na esfera jurídica das pessoas singulares, eximindo-as a alguns dos efeitos principais que tal declaração, em regra, acarreta. De facto, sendo o plano de pagamentos aprovado, após trânsito em julgado da decisão judicial de homologação, é declarada a insolvência do devedor no processo principal, mas da sentença respetiva apenas constam as menções previstas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 36.º do CIRE, ou seja, a data e hora da respetiva prolação e a identificação do devedor insolvente. Assim, não fica o devedor adstrito a uma fixação de residência, nem lhe é apreendido o património para entrega a um administrador da insolvência. O deve- dor insolvente não fica privado dos poderes de administração e disposição do património [artigos 259.º, n.º 1; 39.º, n.º 7, alínea a) , do mesmo diploma]. Acresce que as sentenças de homologação do plano de pagamentos e de declaração da insolvência, bem como a decisão de encerramento do processo de insolvência decorrente do trânsito em julgado das primeiras, não são objeto de qualquer publicidade ou registo (n.º 5 do referido artigo 259.º). Igualmente assinalável é a circunstância de, operado o encerramento do processo nos termos referidos, ficar precludida a possibilidade de abertura do incidente de qualificação da insolvência, afastando-se a possibilidade de esta vir a ser declarada culposa. A este propósito, no Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março, que aprovou o CIRE, pode ler-se que “[o] incidente do plano [de pagamentos aos credores] abre caminho para que as pessoas que podem dele beneficiar sejam poupadas a toda a tramitação do processo de insolvência (com apreensão de bens, liquidação, etc.), evitem quaisquer prejuízos para o seu bom nome ou reputação e se subtraiam às consequências associadas à qualificação da insolvência como culposa.” 7. Sendo inegáveis as vantagens, para o devedor, inerentes ao prosseguimento e aprovação do plano de pagamentos, realça-se que a consagração deste regime especial não altera o objetivo primacial do processo de insolvência, ou seja, a satisfação dos credores (artigo 1.º, n.º 1, do CIRE). O próprio Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março, refere que “[o] objetivo precípuo de qualquer processo de insolvência é a satisfação, pela forma mais eficiente possível, dos direitos dos credores.” Por essa razão, os interesses dos credores assumem uma posição central na regulação jurídica desta matéria, podendo ler-se, no referido texto preambular, que “[a]o direito da insolvência compete a tarefa de regular

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