TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015
102 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL necessariamente assegurada por um Estado de direito, exige, nestes casos, a reparação dos danos sofridos, tendo o instituto da responsabilidade civil vindo a desempenhar nessa tarefa um papel primordial». E é nessa linha que o Acórdão n.º 525/11 considera que o artigo 16.º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, com a epígrafe «Indemnização pelo sacrifício», constitui “suporte normativo adequado de «pre- tensões indemnizatórias pelo sacrifício de direitos patrimoniais privados» que não caibam noutras previsões legais, de fundamento ou de recorte mais específico”, devendo excluir-se do regime da indemnização pelo sacrifício apenas as situações especialmente reguladas na lei. O citado artigo 16.º desempenharia, assim, e segundo o mesmo aresto, o papel de uma “«norma de receção» (Auffangsnorm) das situações merecedoras de indemnização não especialmente reguladas, ou [funcionaria], por outras palavras, como cláusula geral de «salvaguarda para cobrir aquele ‘resto’ de atuações causadoras de danos que, num Estado de direito, não podem deixar de dar lugar ao pagamento de indemnização» (Maria da Glória Garcia, “A Responsabilidade Civil do Estado e das Regiões Autónomas pelo Exercício da Função Político-Legislativa e a Responsabilidade Civil do Estado e Demais Entidades Públicas pelo Exercício da Função Administrativa” in Revista do Centro de Estudos Judiciários , n.º 13 (2010), pp. 305 e segs., p. 321)”. Existindo um conflito entre o interesse público – que deve prevalecer – e um interesse particular – que, para viabilizar a realização do primeiro, deve ser ou é efetivamente sacrificado –, e sendo a imposição do sacrifício legítima – porque, em caso de ilegitimidade, operaria desde logo a responsabilidade por facto ilícito –, a solução juridicamente aceitável no quadro de um Estado de direito é a de compensar o titular o interesse sacrificado, repondo a igualdade com os demais titulares de interesses particulares semelhantes: se para o benefício comum alguém tem de contribuir com mais do que todos os outros, é esse contributo acrescido que tem de ser compensado, sob pena do resultado de uma intervenção originariamente legítima se revelar, afinal, ilegítimo, por contrário à justiça distributiva. Com efeito, esta exige a compensação dos sacrifícios impostos pelos poderes públicos com fundamento em razões de interesse público. O dever de agir do legislador em vista da garantia da compensação dos sacrifícios legitimamente impos- tos em benefício do interesse público não prejudica que o mesmo goze de uma ampla liberdade de conforma- ção. Por isso, não podem excluir-se soluções legais diferenciadas. Mas, por outro lado, cada uma das soluções estabelecidas pelo legislador não pode contrariar o sentido teleológico fundamental da compensação, ou seja, a satisfação de exigências de justiça distributiva. Em especial, a compensação tem de ser proporcional ao sacrifício. 8. Não foi esta, todavia, a linha de argumentação seguida pelo tribunal recorrido. Diferentemente, este considerou que a colaboração obrigatória do perito com o tribunal, traduzida no exercício ao serviço do mesmo de uma atividade profissional, corresponde a uma compressão da liberdade de trabalho constitucio- nalmente fundada, que apenas é legítima se for adequada e proporcionalmente remunerada. Ora, segundo a decisão recorrida, a norma do artigo 17.º, n. os 2 e 4, do Regulamento das Custas Processuais em articulação com a Tabela IV anexa ao mesmo, interpretada no sentido de que, por cada perícia, os peritos não podem auferir mais de 10 unidades de conta, ainda que o tipo de serviço, os usos do mercado, a complexidade da perícia e o trabalho necessário à sua realização levem a considerar que a remuneração devida é superior, viola o princípio da proibição do excesso, nas vertentes da adequação e da proporcionalidade, consagrado no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição e com referência à liberdade de trabalho consagrada no artigo 47.º do mesmo diploma: «[…][A mencionada] compressão, constitucionalmente fundada, não pode ser de tal ordem que não lhe cor- responda uma remuneração que não seja adequada e proporcional ao tipo de serviço, aos usos do mercado, à com- plexidade da perícia e ao tempo despendido e necessário à sua realização, sob pena de violação do princípio cons- titucional da proibição de excesso, nas dimensões da adequação da proporcionalidade – artigo 18.º n.º 2 da CRP.»
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