TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
99 acórdão n.º 578/14 fruem-se pura e simplesmente não fazendo. É absurdo exigir uma declaração negativa às pessoas que não querem, por exemplo, casar-se, ou exprimir-se, ou escrever na imprensa, ou emigrar, ou reunir-se, etc. A Constituição garante sobretudo a liberdade de não ter ensino religioso, e não apenas o direito de o recusar. (…)» 10.3. Atento este precedente, entende o Tribunal que a questão a que urge dar resposta é, no essencial, a de saber se a parte final do artigo 9.º, n.º 1, do Decreto, comporta uma violação da liberdade religiosa, expressamente consagrada no artigo 41.º, n.º 1, da Constituição. Como já se referiu, a liberdade religiosa é um direito, liberdade e garantia, que vincula todas as entidades públicas e privadas e que goza de aplicabilidade direta, valendo sem lei e contra a lei (cfr. artigo 18.º, n.º 1, da Constituição). Estamos, portanto, perante um direito que, em certas dimensões, apresenta um conteúdo e um sentido determináveis no plano constitucional, impondo às entidades a ele vinculadas proibições e injunções plenamente concretizáveis sem necessidade de intervenção legislativa (J. C. Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 5.ª edição, Almedina, 2012, pp. 193 e segs.). De facto, enquanto liberdade negativa, a liberdade religiosa consiste fundamentalmente numa liberdade de “não-fazer”: ninguém é obrigado a ter ou a professar uma religião, e, consequentemente, ninguém é obrigado a usufruir de ensino religioso. O gozo destas liberdades faz-se, precisamente, “não agindo”, o que significa que, nesta dimensão, a liberdade religiosa é tendencialmente avessa a qualquer tipo de intervenção normativa. Ao modelar o acesso ao ensino religioso na escola pública através da exigência de uma declaração negativa, o legis- lador regional introduz no ordenamento jurídico o direito de recusar o ensino religioso, porquanto, ao nada ser dito, tal ensino converte-se numa disciplina de frequência obrigatória. Ou seja, passa a reclamar-se do indivíduo um comportamento positivo para que possa continuar a fruir de uma liberdade negativa, algo que constitui, per se, uma violação do preceito constitucional que proscreve qualquer atuação estadual de orientação ou interfe- rência naquele reduto individual de “não-exercício” em que se traduz a liberdade religiosa. Por outro lado é também afetada a não confessionalidade do ensino público (cfr. artigo 43.º, n.º 3, da Constituição), à qual, mesmo não sendo de reconhecer uma dimensão subjetiva, há que estender, enquanto garantia institucional inerente à liberdade religiosa, o regime específico dos direitos, liberdades e garantias (cfr., neste sentido, J. C. Vieira de Andrade, ob. cit. , pp. 185 e 186). Conclui-se, portanto, que o artigo 9.º, n.º 1, do Decreto, viola diretamente os artigos 41.º, n.º 1, e 43.º, n.º 3, da Constituição, estando, destarte, ferido de inconstitucionalidade material. III – Decisão 11. Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide pronunciar-se pela inconstituciona- lidade da norma contida na parte final do artigo 9.º, n.º 1, do Decreto, por violação dos artigos 165.º, n.º 1, alínea b) , 227.º, n.º 1, alínea a) , 41.º, n.º 1, e 43.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa. Lisboa, 28 de agosto de 2014. – José da Cunha Barbosa – Carlos Fernandes Cadilha – Catarina Sarmento e Castro – Pedro Machete – Ana Guerra Martins – Maria Lúcia Amaral – Joaquim de Sousa Ribeiro. Anotação: 1 – Acórdão publicado no Diário da República , I Série, de 15 de setembro de 2014. 2 – Os Acórdãos n. os 423/87, 307/88, 1 74/93 e 494/99 es tão publicados em Acórdãos, 10.º, 12.º, 24.º e 44.º Vols., respetivamente. 3 – Os Acórdãos n. os 246/05 e 415/05 estão publicados em Acórdãos, 62.º Vol.. 4 – Os Acórdãos n. os 258/06, 258/07 e 423/08 e stão publicados em Acórdãos, 64.º, 68.º e 72.º Vols., respetivamente. 5 – Os Acórdãos n. os 613/11, 374/13, 793/13 e 55/14 est ão publicados em Acórdãos, 82.º, 87.º, 88.º e 89.º Vols., respetivamente. 6 – Ver, neste Volume , o Acórdão n.º 544/14.
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