TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

98 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL  Esta diversidade vem sendo objeto de permanente escrutínio pela jurisprudência nacional, interna- cional e europeia, reveladora de uma interligação entre os catálogos de direitos fundamentais “dirimida” pelo princípio do nível mais elevado de proteção (cfr., na doutrina estrangeira, entre muitos outros, J. H. H. Weiler, « Fundamental Rights and Fundamental Boundaries: on standards and values in the protection of Human Rights», The European Union and Human Rights, edição por N. A. Neuwahl/Allan Rosas, Martinus Nijhoff Publishers, 1995, pp. 51 e segs., e Leonard F. M. Besselink, «Entrapped by the maximum standard: on fundamental rights, pluralism and subsidiarity in the European Union», Common Market Law Review , vol. 35, 1998, pp. 629-680; e, na doutrina portuguesa, entre outros, Ana Maria Guerra Martins, Manual de Direito da União Europeia, Almedina, 2012, pp. 244-262, Maria Luísa Duarte, União Europeia e Direitos Funda- mentais , AAFDL, Lisboa, 2006, pp. 281 e segs., Mariana Rodrigues Canotilho, O princípio do nível mais elevado de proteção em matéria de direitos fundamentais, Dissertação de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2008, pp. 113 e segs., e Suzana Tavares da Silva, Direitos Fundamentais na Arena Global, Imprensa da Universidade, 2011, p. 23). No caso Lautsi v. Itália (n.º 30814/06), analisando um normativo italiano onde se previa a obrigatoriedade de inclusão de crucifixos nas escolas públicas, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) concluiu que, na ausência de um “consenso europeu” ao nível da relação Estado-religião, deveria ser dada aos Estados considerável “margem de apreciação” na ponderação entre a importância do simbolismo religioso e cultural do crucifixo, por um lado, e a ofensa à liberdade religiosa da minoria ateia. Quer neste, quer noutros casos (vide, por exemplo, os casos Folgerø v. Noruega e Zengin v. Turquia ), ficou claro que a particular “visibilidade” de uma dada religião no ambiente ou no currículo da escola pública não constitui, per se, uma forma de “doutrinação” (indoctrination) , fronteira ultrapassada a qual a compressão do artigo 9.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), se torna, no entender do Tribunal, injustificável (sobre o tema, vide, entre outros, Dimi- trios Kyritsis/Stavros Tsakyrakis, «Neutrality in the classroom», International Journal of Constitutional Law , vol. 11, 2013, pp. 200-217, e também o Acórdão n.º 544/14, já mencionado). Entre nós, questão idêntica à suscitada nos presentes autos foi já apreciada no Acórdão n.º 423/87. Con- cluiu o Tribunal que o artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 323/83, de 5 de julho, ao interpretar o silêncio do interessado como aquiescência quanto ao recebimento do ensino da religião e moral católicas, violava a liberdade religiosa, concretamente, o direito de guardar reserva pessoal sobre as escolhas religiosas. Como é possível ler no aresto em questão: «(…) Através deste dispositivo obriga-se, eventualmente como defesa e em proteção das respetivas convicções religiosas, a exteriorização de uma manifestação de vontade, que se desejaria silenciar e manter no domínio da estrita reserva pessoal. Ora, toda a liberdade de não fazer – no caso em presença, a liberdade negativa de religião – é violada quando se exige e impõe um ato, um facere (a manifestação de uma declaração de vontade) como condição indisponível e necessária à sua usufruição. O exercício dos direitos (direito à religião) poderá eventualmente estar dependente da prática de um qualquer ato (requerimento, declaração, etc), mas não já o exercício das liberdades, de uma liber- dade de não fazer, que consiste justamente em não agir, sendo assim, quanto a estas, de todo inaceitável qualquer exigência material que condicione a sua prática e exercício. (…)» Numa das inúmeras declarações de voto aposta à decisão (Conselheiro Vital Moreira), desenvolve-se o argumento em que assentou a declaração de inconstitucionalidade: «(…) Tenho por simplesmente inquestionável que a exigência de uma declaração para não se ter aulas de uma religião agride grosseiramente a liberdade religiosa. Ninguém pode ser obrigado a fazer nada para fruir de uma liberdade negativa, ou seja, a liberdade de não fazer (no caso a liberdade de não ter ensino religioso). As liberdades negativas

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