TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

97 acórdão n.º 578/14 Paralelamente a esta dimensão negativa, a liberdade religiosa acha-se igualmente associada a certas dimensões positivas ou prestacionais por parte do Estado, que tem o dever de garantir as condições para que tal liberdade possa ser exercida. A amplitude deste dever permanece controversa, revelando-se particu- larmente sensível no domínio da abertura das escolas públicas ao ensino religioso. Trata-se, com efeito, de uma manifestação apta a colidir ou pelo menos a “perturbar” certas dimensões ou corolários institucionais da liberdade de religião, tais como o princípio da separação entre o Estado e as igrejas (cfr. artigo 41.º, n.º 4, da Constituição), umbilicalmente ligado ao princípio da não confessionalidade ou da neutralidade do Estado em matéria religiosa. Ou seja, o Estado não se identifica com nenhuma religião e deve, por conseguinte, abster-se de considerações de natureza valorativa no que toca à esfera religiosa, exigência que pode também ser lida como uma “garantia institucional” do princípio da igualdade [cfr. Jónatas Machado, «Tomemos a sério a separação das igrejas do Estado (Comentário ao Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 174/93)», in Revista do Ministério Público , n.º 58, 1994, p. 60]. Aquela não confessionalidade transmite-se igualmente ao ensino público (cfr. artigo 43.º, n.º 3, da Constituição), que não pode ser religiosamente orientado, muito embora o Estado possa autorizar que as diversas confissões religiosas ministrem elas mesmas o ensino da sua religião nas escolas públicas (cfr. J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª edição, Coimbra Editora, 2007, p. 627). 10.2. A liberdade religiosa encontra enorme amparo no direito internacional dos direitos do homem, manifestando-se aí através de inúmeras concretizações positivas. Como se lê no Acórdão n.º 544/14 (dispo- nível em www.tribunalconstitucional.pt ): «(…) Para além da sua consagração constitucional, a liberdade de religião não deixa de ter expressivo acolhimento no ordenamento jurídico internacional, universal e regional, enquanto direito do Homem, e no ordenamento jurídico da União Europeia no respetivo catálogo de direitos fundamentais – a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (CDFUE) –, hoje beneficiando da força vinculativa do direito originário da União Europeia (artigo 6.º/1 do Tratado da União Europeia). (…)» Destacam-se, com efeito, o artigo 18.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, o artigo 18.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, os artigos I e VI da Declaração das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Intolerância e de Discriminação baseadas na Religião ou na Crença (aprovada pela Assembleia Geral, através da Resolução 36/55, de 25 de novembro de 1981), o artigo 2.º da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas Pertencentes a Minorias Nacionais ou Étnicas, Religiosas e Linguísticas (aprovada pela Assembleia Geral, através da Resolução 47/135, de 18 de fevereiro de 1992), e, já no quadro do Conselho da Europa, o artigo 9.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, os artigos 7.º e 8.º da Convenção-Quadro para a Proteção das Minorias Nacionais, de 1 de fevereiro de 1995, e, no âmbito da União Europeia, o artigo 10.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (cfr., para além do Acórdão n.º 544/14, já mencionado, o contributo de Ana Maria Guerra Martins, A Igualdade e a Não Discriminação dos Nacionais de Estados Terceiros Legalmente Residentes na União Europeia – Da origem na integração económica ao fundamento na dignidade do Ser Humano , Almedina, 2010, pp. 120-126). Não obstante esta orientação de sentido, a temática da educação religiosa nas escolas públicas é permeada por diversas perspetivas, que vão desde a radical proibição do ensino religioso (“secularismo militante”) – modelo vigente, por exemplo, em França – à educação católica obrigatória e organizada, financiada e ministrada pelo Estado – como sucede, por exemplo, na Finlândia (vide, sobre o tema, Merilin Kiviorg, « Distinctive Religious Character », Balancing freedom, autonomy and accountability in education , edição por Charles L. Gleen/Jan de Groof, WLP, 2012, pp. 236 e segs., e Dominic McGoldrick, « Religion in the European Public Square and in European Public Life – Crucifixes in the Classroom?», Human Rights Law Review , vol. 11, 2011, p. 454).

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