TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
96 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 8.2. Ora, posto isto, de acordo com o método respaldado supra, é de concluir que o artigo 9.º, n.º 1, do Decreto, na medida em que exige dos interessados a manifestação de uma vontade negativa no que concerne a frequência da disciplina de educação moral e religiosa, conecta-se com a matéria da liberdade de religião (cfr. o artigo 41.º, da Constituição), não só no que respeita às suas dimensões subjetivas negativas, de reserva pessoal das convicções religiosas (cfr. o artigo 41.º, n.º 3, da Constituição), como também às suas dimensões objetivas e institucionais, mormente aos princípios da separação entre Estado e as igrejas (cfr. o artigo 41.º, n.º 4, da Constituição) e da não confessionalidade do ensino público (cfr. o artigo 43.º, n.º 3, da Constituição). Por outro lado, não estão em causa pormenores meramente “executivos” da liberdade de religião e do ensino religioso nas escolas públicas, que hajam de ter-se por não incluídos no âmbito da reserva relativa de competência da Assembleia da República. Com efeito, a disciplina introduzida imbrica com o posiciona- mento simbólico do Estado perante a religião e com o próprio modo de exercício de uma liberdade negativa, in casu , a liberdade de não ter ensino religioso. Neste sentido, a “fórmula” introduzida pelo artigo 9.º, n.º 1, parte final, do Decreto reveste, certamente, caráter inovatório relativamente ao disposto quer no artigo 19.º, n.º 2, da Concordata de 2004, quer na Lei de Bases do Sistema Educativo (cfr. o artigo 50.º, n.º 3). Apesar de o anexo II (Partes A e B) do Decreto qualificar a disciplina de “Educação Moral e Religiosa” como de “frequência facultativa, nos termos do artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho”, o preceito em crise interpreta aquelas coordenadas em termos substancialmente diversos ou, pelo menos, potencialmente adulteradores. De facto, uma situação em que a frequência de uma disciplina é facultativa, estando dependente de declaração do interessado, não se confunde com uma outra, em que tal frequência é “obrigatória”, “salvo declaração expressa em contrário do encarregado de educação”. Adicionalmente, o preceito mostra-se, naquele segmento, em aberta contradição com o artigo 24.º, n.º 3, da Lei da Liberdade Religiosa, na medida em que aí se reclama uma declaração expressa e positiva dos interessados em frequentar a disciplina de educação moral e religiosa não católica (e católica, se se entender que o artigo 24.º também se aplica ao ensino da EMRC). 9. Conclui-se, portanto, pela inconstitucionalidade orgânica da norma contida no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto, por violação dos artigos 165.º, n.º 1, alínea b) , e 227.º, n.º 1, alínea a) , da Constituição. D. Da inconstitucionalidade material do artigo 9.º, n.º 1 10. Segue-se a apreciação da inconstitucionalidade material do artigo 9.º, n.º 1, do Decreto, por dele resultar, no entendimento do requerente, violação do direito a não ser inquirido sobre as suas convicções religiosas (cfr. artigo 41.º, n.º 3, da Constituição), da proibição do dirigismo estatal na educação e da não confessionalidade do ensino público (cfr. artigo 43.º, n. os 2 e 3, da Constituição), “numa leitura destes con- forme ao disposto no artigo 26.º, n.º 3, da DUDH”. 10.1. Cumpre, antes de quaisquer outras considerações, caracterizar os direitos fundamentais alegada- mente postos em causa pelo Decreto. Assume-se a liberdade religiosa como um direito, liberdade e garantia de tipo pessoal, expressamente con- sagrado no artigo 41.º da Constituição, cujo particular relevo e sensibilidade se percebem, desde logo, no facto de um tal direito estar garantido mesmo em situação de estado de exceção (cfr. o artigo 19.º, n.º 6, da Consti- tuição). Enquanto direito de defesa – isto é, nas suas dimensões negativas – recorta uma esfera de decisão íntima e inviolável por parte do Estado, ou seja, um espaço inexpugnável para a tomada de decisões pessoais, tais como a liberdade de ter ou não religião, de mudar de religião ou de não revelar as suas convicções religiosas. A liber- dade religiosa permite também a exteriorização das convicções religiosas, através da liberdade de praticar ritos de religião em público e em privado, do direito de transmitir a religião a outras pessoas e de utilizar os meios de comunicação social para esse efeito (cfr. o Acórdão n.º 544/14, disponível em www.tribunalconstitucional.pt ) .
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