TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

95 acórdão n.º 578/14 (ii) estarem as matérias em causa enunciadas no respetivo Estatuto Político-Administrativo, e (iii) não esta- rem essas matérias reservadas aos órgãos de soberania (cfr., entre outros, os Acórdãos n. os 246/05, 258/07, 423/08, 613/11, 374/13, 793/13 e 55/14, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt ) . Sem cuidar do concreto alcance destes requisitos e das interrogações que, a esse propósito, não cessam de se levantar, é indubitável que às “matérias reservadas aos órgãos de soberania” hão de pelo menos recon- duzir-se aquelas que surgem elencadas nos artigos 161.º, 164.º, 165.º e 198.º, n.º 2, da Constituição (cfr. o Acórdão n.º 415/05, disponível em www.tribunalconstitucional.pt ) . Por isso, a argumentação do requerente é precisamente no sentido de que a norma em crise incide sobre matéria de direitos, liberdades e garantias [cfr. artigo 165.º, n.º 1, alínea b) , da Constituição] – maxime , sobre a liberdade de religião e a não confessio- nalidade do ensino público, consagrados nos artigos 41.º e 43.º da Constituição, respetivamente – estando a respetiva normação, por esse motivo, subtraída ao poder legislativo das regiões, que nem sequer podem ser autorizadas a legislar sobre ela [cfr. o artigo 227.º, n.º 1, alínea b) , da Constituição]. Posto isto, cumpre enunciar as coordenadas constitucionais que servirão de “bússola” ao apuramento, do ponto de vista orgânico, da conformidade constitucional da parte final do artigo 9.º, n.º 1, do Decreto. Pensa-se que, à luz do lastro jurisprudencial sobre o tema e convocando os pertinentes contributos doutri- nais, essas coordenadas são as a seguir enunciadas. Dir-se-á, em primeiro lugar, que os direitos, liberdades e garantias – e, entre eles, a liberdade religiosa e os seus corolários institucionais – são uma daquelas matérias em que o nível de competência legislativa reser- vada à Assembleia da República é mais “exigente”, porquanto diz respeito a toda a regulamentação legislativa e não apenas às bases ou ao regime geral de um dado domínio (cfr. a taxonomia proposta por J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, Coimbra Editora, 4.ª edição revista, 2010, p. 325, reiterada, entre outros, nos Acórdãos n. os 494/99, 258/06 e 793/13, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt ) . Essa maior exigência – que vale tanto para as restrições, como para a restante intervenção normativa conformadora, acondicionadora ou até ampliadora de direitos, liberdades e garantias – traduz-se, desde logo, na circunstância de estes domínios não poderem, com exceção do decreto-lei auto- rizado, ser objeto de diploma legislativo, configurando-se o poder regulamentar do Governo e dos órgãos regionais como meramente “executivo”. O mesmo é dizer, portanto, que debruçando-se um dado normativo – não emanado pela Assembleia da República nem pelo Governo, com autorização legislativa – sobre matéria atinente a direitos, liberdades e garantias (a), a sua conformidade constitucional, a nível competencial, está dependente do caráter “não ino- vatório” – rectius , puramente “executivo” – das prescrições que ele contenha (b) – cfr. os Acórdãos n. os  307/88 e 258/06, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt ) . Como já se disse, o Tribunal Constitucional apreciou, no Acórdão n.º 423/87, questão de constitucio- nalidade substancialmente idêntica à que agora se levanta. Apurou o Tribunal, nesse aresto, que o artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 323/83, de 5 de julho, não se limitava a reproduzir o disposto no n.º 4, da Base VII, da Lei n.º 4/71, de 21 de agosto (“no ato de inscrição em qualquer estabelecimento em que se ministre o ensino de religião e moral aquele a quem competir declarará se o quer ou não”). Ou seja, no entender do coletivo, o mencionado artigo 2.º, n.º 1: «(…) Ao optar por uma exclusiva declaração de conteúdo negativo – a quem não declarar desejo em contrário será ministrado o ensino – elegeu apenas um dos termos da dualidade referida no n.º 4 da Base VII da Lei n.º 4/71 e inviabilizou a hipótese de uma interpretação conforme à Constituição (…). O conteúdo inovatório e restritivo assim introduzido em matéria de direitos, liberdades e garantias, à revelia da Assembleia da República, não pode deixar de originar inconstitucionalidade orgânica por violação do disposto no artigo 168.º, n.º 1, alínea b) da Constituição. (…)»

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