TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
94 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Já o Decreto-Lei n.º 70/2013, de 23 de maio, veio adaptar o regime jurídico da frequência da disciplina de EMRC às “transformações ocorridas nos planos nacional e internacional”, atinentes, respetivamente, à nova Constituição democrática, e à nova Concordata celebrada, em 2004, entre o Estado Português e a Santa Sé. Esta, inclusivamente, dispõe, no artigo 19.º, n.º 2, que “ a frequência do ensino da religião e moral católicas nos estabelecimentos de ensino público não superior depende de declaração do interessado ”. Em perfeita con- sonância com esta diretriz internacional está o artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 70/2013, quando aí se diz que “compete ao encarregado de educação, no caso de o educando ser menor de 16 anos, exercer o direito de o mesmo frequentar a disciplina de EMRC, procedendo, para o efeito, à sua declaração de vontade no ato de matrícula no respetivo estabelecimento de ensino” (os itálicos são nossos). Finalmente, há que destacar o disposto no artigo 24.º da Lei da Liberdade Religiosa. Do n.º 2 deste nor- mativo resulta que “a educação moral e religiosa é opcional e não alternativa relativamente a qualquer área ou disciplina curricular”. Do n.º 3 avulta que “o funcionamento das aulas de ensino religioso de certa confissão ou programa depende da existência de um mínimo de alunos, que tenham, pelo encarregado de educação, expressa e positivamente, o desejo de frequentar a disciplina” (os itálicos são nossos). Na doutrina, questiona-se se, atento o que dispõe o artigo 58.º, deve o artigo 24.º aplicar-se à educação moral e religiosa católica ou se, pelo contrário, vale aquele preceito exclusivamente para as comunidades religiosas não católicas que pretendam ministrar o ensino da sua religião na escola pública (cfr., sobre o tema, Miguel Assis Raimundo, «Direito Admi- nistrativo da Religião», in Tratado de Direito Administrativo Especial , vol. VI, Almedina, 2012, pp. 367-368). Independentemente da resposta que haja de dar-se a esta problemática, não há dúvida de que a frequência da disciplina de educação moral e religiosa não católica nas escolas públicas depende, inequivocamente, de uma manifestação expressa e positiva de vontade nesse sentido por parte dos interessados. É neste contexto que surge o Decreto ora objeto de escrutínio, que visa, portanto, adaptar e adequar as disposições constantes do Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 91/2013, de 10 de julho, ao “sistema educativo regional”. Trata-se de um decreto para ser assinado como Decreto Legislativo Regional, emanado pela Assembleia Legislativa da RAM ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 227.º da Constituição e, sublinhe-se, da alínea o) do artigo 40.º do Estatuto Político-Administrativo da RAM, aprovado pela Lei n.º 13/91, de 5 de junho, na sua atual versão (“educação pré-escolar, ensino básico, superior e especial”). C. Da inconstitucionalidade orgânica do artigo 9.º, n.º 1 8. Argumenta o requerente que o artigo 9.º, n.º 1, do Decreto, é organicamente inconstitucional, por violação dos artigos 165.º, n.º 1, alínea b) , e 227.º, n.º 1, alínea a) , da Constituição, na medida em que incide sobre matéria de reserva relativa de competência da Assembleia da República. Sublinhe-se, como ponto prévio, que a questão não é ainda a de saber se a exigência de uma declara- ção em sentido negativo para o ensino da religião não se tornar obrigatório é suscetível de contender com a liberdade religiosa ou com a não confessionalidade do ensino público, mas apenas a de saber se a RAM é constitucionalmente competente para a introdução de tal “fórmula”. Vejamos. 8.1. No que toca à competência legislativa das Regiões Autónomas, são sobejamente conhecidos os elementos de flexibilização e de alargamento trazidos pela revisão constitucional de 2004, por banda, con- cretamente, do desaparecimento das referências às “leis gerais da República” e à cláusula geral do “interesse específico regional”, conjugadas, ainda, com o reenvio para os estatutos das matérias sobre as quais pode recair a autonomia legislativa das regiões autónomas. Assim, de acordo com a interpretação sufragada pela jurisprudência constitucional, a Constituição subordina o exercício da competência legislativa regional à verificação cumulativa de três requisitos, a saber: (i) conter-se a legislação sindicada no âmbito regional,
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