TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

93 acórdão n.º 578/14 Um outro efeito da declaração proferida pelo Tribunal naquele aresto foi o de assinalar o dever do Estado de, em face da posição de benefício fáctico e normativo de que gozava a Igreja Católica em matéria de ensino da religião nas escolas públicas, conceder, às demais confissões religiosas (não católicas), “um tratamento afim”, organizando, na medida das suas possibilidades, meios institucionais e financeiros que viabilizassem o ensino daquelas confissões (cfr., neste sentido, Jorge Miranda, ob. cit. , pp. 134-135). Surge, assim, não sem algum atraso, o Decreto-Lei n.º 329/98, de 2 de novembro, que dispõe, no artigo 3.º, n.º 1, que “nas escolas públicas dos ensinos básico e secundário, podem ser ministradas aulas de Educação Moral e Religiosa de cada uma das confissões religiosas com implantação em Portugal”, aulas essas que, durante algum tempo, se configuraram como de frequência alternativa à Disciplina de Desenvolvimento Pessoal e Social (cfr. o artigo 4.º, n.º 1, do mesmo diploma, revogado pelo Decreto-Lei n.º 6/2001, de 18 de janeiro). Em consonância, pode agora ler-se no artigo 24.º, n.º 1, da Lei da Liberdade Religiosa, o seguinte: «(…) As igrejas e demais comunidades religiosas ou, em sua vez, as organizações representativas dos crentes residentes em território nacional, desde que inscritas, por si ou conjuntamente, quando para o efeito professem uma única confissão ou acordem num programa comum, podem requerer ao membro do Governo competente em razão da matéria que lhes seja permitido ministrar ensino religioso nas escolas públicas do ensino básico e do ensino secun- dário que indicarem. (…)» O ensino da disciplina de educação moral e religiosa surge, atualmente, disciplinada por um conjunto de diplomas que importa, naturalmente, relevar. Destaca-se, desde logo, a Lei de Bases do Sistema Educativo, de onde resulta, reiterando o disposto no artigo 43.º, n. os 2 e 3, da Constituição, que o “Estado não pode atribuir- -se o direito de programar a educação e a cultura segundo quaisquer diretrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas”, e que, em coerência, “o ensino público não será confessional”. Importa sublinhar, com relevo para a presente questão de constitucionalidade, o preceituado no artigo 50.º, n. os 2 e 3, daquele diploma: «(…) 2 – Os planos curriculares do ensino básico incluirão em todos os ciclos e de forma adequada uma área de formação pessoal e social, que pode ter como componentes a educação ecológica, a educação do consumidor, a educação familiar, a educação sexual, a prevenção de acidentes, a educação para a saúde, a educação para a partici- pação nas instituições, serviços cívicos e outros do mesmo âmbito. 3 – Os planos curriculares do ensino básico integram ainda o ensino da moral e da religião católica, a título facultativo, no respeito pelos princípios constitucionais da separação da Igreja e do Estado e da não confessionali- dade do ensino público. (…)» Na sequência da fixação destas bases – que são, sublinhe-se, matéria de reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República, nos termos do artigo 164.º, alínea i) , da Constituição – o Governo aprovou, ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do artigo 198.º, dois importantes decretos-leis de desenvolvimento: o Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho, entretanto alterado pelo Decreto-Lei n.º 91/2013, de 10 de julho, e o Decreto-Lei n.º 70/2013, de 23 de maio, já mencionado. Não há dúvidas de que, tendo o Governo mobi- lizado inequivocamente a sua competência legislativa derivada e integrando-se as referidas bases na compe- tência legislativa reservada da Assembleia da República, os decretos-leis explicitados estarão “subordinados” à lei cujas bases pretendem desenvolver. Ora, o Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho, vem estabelecer os princípios orientadores da orga- nização e da gestão dos currículos dos ensinos básico e secundário, nunca deixando de sublinhar o caráter “facultativo” da frequência da disciplina de educação moral e religiosa (cfr. os artigos 15.º e 19.º do diploma).

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