TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

92 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Em primeiro lugar, é notório que, talqualmente delimitado, o pedido incide sobre a exigência de uma declaração expressa em sentido contrário à frequência, pelos alunos, de “atividades de educação moral e religiosa”, independentemente, portanto, de tais atividades se reportarem ao ensino da Educação Moral e Religiosa Católica (EMRC) ou ao ensino de outro tipo de educação moral e religiosa, como abertamente admite o artigo 24.º da Lei n.º 16/2001, de 22 de junho, na sua atual redação (Lei da Liberdade Religiosa). No entanto, como expressamente se adita, o ensino religioso nas escolas públicas passa sobretudo pela disciplina de EMRC, até pela densidade do substrato normativo que abertamente se reporta a essa disciplina, onde se destaca o artigo 19.º, da Concordata celebrada entre o Estado Português e a Santa Sé, assinada em 18 de maio de 2004 na Cidade do Vaticano, ratificada e aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 74/2004, de 16 de novembro, o artigo 50.º, n.º 3, da Lei n.º 46/86, de 14 de outubro, na sua atual versão (Lei de Bases do Sistema Educativo), e o Decreto-Lei n.º 70/2013, de 23 de maio, que estabelece o regime jurídico da frequência e da organização da disciplina de EMRC. Depois, é preciso notar que o pedido não abrange outras questões também já analisadas pela jurisdição constitucional, nos Acórdãos n. os 423/87 e 174/93, e que se prendem com a compatibilidade com os prin- cípios constitucionais da separação entre o Estado e as igrejas (cfr. o artigo 41.º, n.º 4, da Constituição) e da não confessionalidade do ensino público (cfr. o artigo 43.º, n.º 3, da Constituição) de alguns aspetos do regime jurídico da frequência de EMRC. Referimo-nos, por exemplo, ao facto de a disciplina de EMRC integrar o currículo nacional e ser de oferta obrigatória por parte dos estabelecimentos de ensino (cfr. o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 70/2013, de 23 de maio) ou de os docentes da disciplina serem contratados e pagos pelo Estado (cfr. o artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 70/2013, de 23 de maio). B. Enquadramento da questão de constitucionalidade 7. No quadro da vigência da Constituição de 1933, a Religião Católica emergia inequivocamente como a “religião da Nação Portuguesa” (cfr. o artigo 45.º, n.º 1, da Constituição de 1933, na redação conferida pela Lei n.º 2048, de 11 de junho de 1951), ou pelo menos, desde a revisão constitucional de 1971, como a “reli- gião tradicional da Nação Portuguesa” (cfr. o artigo 46.º da Constituição de 1933, na redação conferida pela Lei n.º 3/71, de 16 de agosto). Assim se explica o disposto na Base VII, da Lei n.º 4/71, de 1 de agosto, sobre liberdade religiosa, onde, no n.º 1, se lia que “o ensino ministrado pelo Estado será orientado pelos princípios da doutrina e moral cristãs, tradicionais do país”, proposição mais tarde reafirmada pela Lei n.º 5/73, de 25 de julho, sobre as bases do sistema educativo [cfr. a alínea a) do n.º 2 da Base III]. A “para-confessionalidade” do ensino público, reveladora de um estádio de “imbricação” entre o Estado e a Igreja Católica, era igualmente requerida pelo artigo XXI da Concordata celebrada entre o Estado Português e a Santa Sé, de 7 de maio de 1940, (mais tarde confirmada pelo artigo II, do Protocolo Adicional de 15 de fevereiro de 1975). A entrada em vigor da Constituição de 1976 conferiu renovado rumo às relações entre o Estado e as igrejas, deixando a Lei Fundamental de integrar qualquer referência distintiva à Igreja Católica, circuns- tância que provocou a desatualização de diversas normas constantes da Concordata de 1940, entre elas o já supramencionado artigo XXI, 1.ª parte (cfr., neste sentido, Jorge Miranda, «Liberdade Religiosa, Igrejas e Estado em Portugal», in Nação e Defesa , ano XI, n.º 39, 1986, p. 133). O Decreto-Lei n.º 323/83, de 5 de julho, ambicionou, conforme consta dos respetivos considerandos preambulares, “proceder à regulamen- tação do preceito concordatário no que respeita à lecionação da disciplina de Religião e Moral Católicas”, preceituando, no seu artigo 2.º, n.º 1, que “ministrar-se-á o ensino da Religião Moral Católicas (…) aos alunos cujos pais, ou quem suas vezes fizer, não declararem expressamente desejo em contrário”. O Acórdão n.º 423/87, pelas razões que infra se apreciará de forma mais minuciosa, declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade orgânica e material daquele normativo, conduzindo à aprovação da Portaria n.º 344-A/88, de 31 de maio, em cujo artigo 3.º se passou a estatuir que “só é vinculativa para o efeito da frequência da disciplina de Religião e Moral Católicas a declaração positiva feita nesse sentido”.

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