TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

90 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional: I – Relatório 1. O Representante da República para a Região Autónoma da Madeira (RAM) requereu, ao abrigo do n.º 2 do artigo 278.º da Constituição da República Portuguesa, e dos artigos 51.º, n.º 1, e 57.º, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual redação (LTC), que o Tribunal Constitucional aprecie a confor- midade com a Constituição da norma constante do artigo 9.º, n.º 1, in fine , do Decreto que lhe foi enviado para assinatura como Decreto Legislativo Regional, que pretende adaptar à Região Autónoma da Madeira o regime jurídico constante do Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho (com as alterações promovidas pelo Decreto-Lei n.º 91/2013, de 10 de julho). 2. O requerente fundamenta o seu pedido, em síntese, na seguinte ordem de considerações: Considera o requerente que a parte final do artigo 9.º, n.º 1, do Decreto em apreço (doravante apenas “Decreto”), ao determinar que os encarregados de educação que pretendam que os seus educandos não fre- quentem atividades educativas de natureza moral e religiosa tenham que manifestar essa vontade negativa, em lugar de expressamente afirmarem que o pretendem, suscita questões de constitucionalidade já apreciadas pelo Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 423/87. Neste aresto, em face de uma norma com idêntico teor – maxime , o artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 323/83, de 5 de julho, na parte em que aí se exigia daqueles que não desejassem receber o ensino da religião e moral católicas uma declaração expressa nesse sentido – concluiu o Tribunal pela inconstitucionali- dade orgânica e material do preceito. O apuramento de um vício de competência ficou a dever-se ao facto de o regime em causa dizer respeito a direitos, liberdades e garantias, “matéria de reserva relativa da Assembleia da República, sobre a qual o Governo apenas pode legislar quando munido de uma lei de autorização legis- lativa”; já o vício material fundou-se na violação do artigo 41.º, n. os 1 e 3, da Constituição. III – Adicionalmente, o preceito mostra-se, naquele segmento, em aberta contradição com o artigo 24.º, n.º 3, da Lei da Liberdade Religiosa, na medida em que aí se reclama uma declaração expressa e posi- tiva dos interessados em frequentar a disciplina de educação moral e religiosa não católica (e católica, se se entender que o artigo 24.º também se aplica ao ensino da Educação Moral e Religiosa Católica), pelo que se conclui pela sua inconstitucionalidade orgânica. IV – Ao modelar o acesso ao ensino religioso na escola pública através da exigência de uma declaração nega- tiva, o legislador regional introduz no ordenamento jurídico o direito de recusar o ensino religioso, porquanto, ao nada ser dito, tal ensino converte-se numa disciplina de frequência obrigatória; ou seja, passa a reclamar-se do indivíduo um comportamento positivo para que possa continuar a fruir de uma liberdade negativa, algo que constitui, per se, uma violação do preceito constitucional que proscreve qualquer atuação estadual de orientação ou interferência naquele reduto individual de “não-exercício” em que se traduz a liberdade religiosa. V – Por outro lado é também afetada a não confessionalidade do ensino público, à qual, mesmo não sendo de reconhecer uma dimensão subjetiva, há que estender, enquanto garantia institucional inerente à liberdade religiosa, o regime específico dos direitos, liberdades e garantias.

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