TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
88 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL constitucional decidir que assim não tem que ser. Como não pode o Tribunal determinar o teor dessa reforma, identificando as medidas que devem primeiro ser tomadas e as outras, que a elas se seguirão. Por razões de praticabilidade, não pode o Tribunal exigir do legislador que o encetar de uma qualquer mudança sistémica se faça tendo antes do mais em conta as carreiras contributivas de cada contribuinte-beneficiário, ou tendo em conta as posições recíprocas de todos os grupos de pessoas que foram sendo abrangidos pelos diferentes regimes, que se sucederam no tempo, relativos ao modo de cálculo das pensões. Em suma, não pode o Tribunal, pela sua natureza de jurisdição, impor ao legislador a sua própria visão do que seja uma reforma justa do sistema. E não o pode fazer por duas ordens de razões, que, estando intimamente ligadas, merecem contudo ser distinguidas. Em primeiro lugar, não pode o Tribunal impor ao legislador a sua própria visão do que seja uma reforma do sistema público de pensões. O problema é de tal complexidade técnica que pressuporia, sempre e em qualquer circunstância, a necessidade de fazer escolhas e de tomar decisões especialmente difíceis. Num contexto de incerteza, quer quanto à evolução dos fatores demográficos e económicos, quer quanto à própria repercussão que medidas reformadoras poderão vir a ter sobre essa mesma evolução (dada a estreita ligação existente entre a receita e a despesa do sistema público de pensões e a própria economia), a complexidade técnica dos problemas envolvidos, que sempre existiria, torna-se ainda mais intensa. Ora, para enfrentar esses problemas não pode estar o Tribunal, pela sua própria condição, preparado: não tem para tanto vocação funcional; não está para tanto epistemicamente apetrechado. Mas além disso, e fundamentalmente, não pode o Tribunal impor ao legislador a sua própria visão do que seja uma reforma justa do sistema público de pensões. Não tenho dúvidas de que muitas das objeções feitas no Acórdão quanto à solução encontrada pelo legislador são razoáveis e de boa-fé apresentadas. Mas o ponto é justamente esse: perante a existência de diferentes conceções razoáveis quanto ao que seja, quanto a essa reforma, justo ou injusto – e perante a discussão aberta no espaço público entre essas diferentes conce- ções razoáveis – é ao poder legislativo, e não ao poder judicial, que cabe tomar a decisão quanto ao caminho a seguir. Não é para mim aceitável que um juízo eminentemente moral sobre a justiça de uma tal reforma caiba a uma maioria formada no seio de uma instituição de índole jurisdicional. Deste modo, segundo creio, não se melhora a qualidade da deliberação pública. Pelo contrário, degrada-se essa qualidade, uma vez que se nega aos cidadãos o direito a ter uma palavra a dizer sobre tão delicada matéria. – Maria Lúcia Amaral. Anotação: 1 – Acórdão publicado no Diário da República , I Série, de 3 de Setembro de 2014. 2 – Os Acórdãos n. os 287/90, 349/91 e 99/99 es tão publicados em Acórdãos, 17.º, 19.º e 42.º Vols., respetivamente. 3 – Os Acórdãos n. os 318/99, 509/02, 675/05 e 302/06 e stão publicados em Acórdãos, 43.º, 54.º, 63.º e 65.º Vols., respeti- vamente. 4 – Os Acórdãos n. os 128/09 e 188/09 e stão publicados em Acórdãos, 74.º Vol.. 5 – Os Acórdãos n. os 3/10, 353/12, 1 87/13 e 862/13 e stão publicados em Acórdãos, 77.º, 84.º, 86.º e 88.º, respetivamente. 6 – Ver, neste Volume, os Acórdãos n. os 413/14 e 572/14.
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